27. POLVO SEM CONTROLE

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ENRIQUE DORMIU FEITO PEDRA e acordou passando das nove, o que, para ele, equivalia a quase meio-dia. Donasô estava esperando muito preocupada, mas sorriu ao vê-lo.

– Bom dia! Parece que você teve uma boa noite, também!

Ele só sorriu, sem responder.

Era obviamente muito tarde para tomar café da manhã com Sarah e ele sentiu uma falta imensa do sorriso (e de muitas outras coisas) da garota, como se algo essencial tivesse sido retirado de sua rotina. Queria estar com ela. Em todos os momentos, todas as manhãs, tardes e noites!

Quando chegou ao laboratório, o doutor Janson já havia providenciado a presença dos três novos integrantes da equipe. Seu atraso, sua expressão radiante e seu sorriso enorme arrancaram uma enorme vaia de Anabel, Trovão e Neco. Maria Clara, que não conhecia Enrique pessoalmente, ficou calada. Mas não era difícil de adivinhar o que tinha acontecido.

– Sem essa de aaaaahhhhh, caras! – riu-se Enrique. – Vocês vieram porque Anabel disse que são muito bons em Engenharia, propulsão, magnetismo, palpites e tals. Portanto, vamos trabalhar que já está muito tarde!

– Logo quem falando em tarde! – devolveu Neco, rindo. – Quem é que está chegando depois das dez com a cara mais abobada do mundo?!

É claro que houve muitos problemas de concentração no laboratório, naquela manhã. E, ao meio-dia, Anabel e Enrique saíram literalmente disputando corrida do laboratório. O mais inacreditável é que Anabel e seus saltões estavam vencendo Enrique, ao menos até a curva do corredor. Os outros três jovens voltaram para dentro, surpresos e rindo.

– Não sei como Anabel faz isso. Vai contra umas dez leis da Física! Alguém entendeu o que deu nesses dois?

– Eu entendi. – Carl Janson sorriu, chamando os três jovens com um gesto. – Enrique toma café da manhã com Sarah todos dos dias, mas, no almoço, ela é de Anabel. Com a hora em que ele chegou, certamente não houve café da manhã. Acredito que se trate de uma competição para ver quem almoça com Sarah hoje. Sentem, gostaria de conversar um pouco com vocês. Fiquei muito impressionado com os conhecimentos de todos.

– Doutor Janson, acredite: é mútuo! – assegurou Neco. – Nunca pensei que psicólogos entendessem tanto de Engenharia! Mas é o seguinte, acabei de ver a hora e estou com fome e...

– Pizza? – sugeriu o psicólogo. Os jovens se entreolharam, sorrindo.

– Pode comer pizza dentro de laboratório de Engenharia?

– Quando eu peço, pode. Vou ligar para o Berto.

Foi a primeira vez que se comeu pizza dentro daquele laboratório. Carl Janson e os três jovens se fecharam numa salinha, mas todo o laboratório ficou cheirando a queijo e calabresa.

Neco, do segundo ano, era um ruivo magro que lembrava um grande esquilo agitado. Suas ideias eram igualmente agitadas e seu forte era raciocínio abstrato. Apesar do tumulto da manhã e do pouco tempo de trabalho, apresentara duas sugestões que apenas Carl Janson pudera avaliar corretamente. Eram brilhantes.

Trovão, o quartanista, era mais baixo, possante, cheio de tatuagens e piercings, o tipo de rapaz de quem a equipe do laboratório se afastaria se encontrasse na rua, à noite. Colocou o jaleco de laboratório sobre seu colete de couro cheio de metais e caveiras, perguntou por onde começava no problema de propulsão que Anabel tinha falado e logo rabiscava ideias tão inovadoras que a equipe do laboratório pensou que não tinham como dar certo. Carl Janson viu que dariam.

Maria Clara, a terceiranista, era uma moça baixinha e roliça. Passava o tempo todo empurrando os óculos para o lugar e mordendo a ponta da caneta. Chegou com uma dúzia de livros sobre teorias avançadas de Física e magnetismo embaixo do braço, esvaziou um canto de bancada para si e perguntou como poderia ser útil. Mais se familiarizou com o laboratório do que fez alguma coisa, mas o psicólogo podia adivinhar muitas ideias no brilho dos olhos castanhos da garota.

Olho do FeiticeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora