13. OS ANTIGOS

381 43 2
                                    

DONASÔ SURTOU quando Enrique chegou em casa informando que o doutor Janson viria para jantar em uma hora. Foi uma correria só na cozinha, uma belíssima gritaria com Enrique que não podia ter avisado tão em cima da hora e um descabelamento total da cozinheira.

No entanto, quando Carl Janson chegou, tudo estava pronto, inclusive Donasô, muito bem arrumada para receber seu convidado ilustre. A simpatia dele logo desarmou o nervosismo da dona da casa, e a conversa mais uma vez foi fácil e divertida. Donasô ficou atônita ao saber que Enrique havia contado a ele a respeito das ideias sobre reatores de fusão e, quando o doutor Janson assegurou que o assunto seria mantido fora do conhecimento da Escola, iniciou um enorme discurso sobre o quanto ela, Donasô, tinha razão sobre psicólogos, e o quanto ele, Enrique, era teimoso sobre o assunto. Quando percebeu que estava falando com entusiasmo demais, parou no meio de uma frase. E, depois de um instantinho, a gargalhada foi geral, terminando de vez com qualquer formalidade.

Falaram de reatores de fusão, naves espaciais, da instituição onde Donasô e Enrique haviam se conhecido; de motos, basquete, futebol, asa-delta; de família, amigos e amores.

– Então você nunca teve namorada, Enrique? – conferiu o doutor Janson.

– Enrique é mais romântico do que qualquer mocinha dengosa. – Donasô riu e se adiantou na resposta, fazendo o rapaz corar até as orelhas. – De acordo com ele, a garota certa ainda não apareceu, porque, quando aparecer, vai saber na hora que ela é a sua metade! Do jeito que ele fala, vai haver um pedido de casamento em menos de vinte e quatro horas quando essa tal garota aparecer!

Enrique esperava que o doutor Janson risse também, mas ele apenas sorriu com compreensão.

– É raro um jovem de sua geração pensar em compromisso único para a vida inteira. Normalmente, na sua idade, já há dúzias de namoradas para enumerar.

– Ok, sei que é raro, e ela – Donasô, indicada pelo dedo acusador de Enrique – se diverte montes com isso, mas é desse jeito que eu penso e fim. Foi desse jeito com meus pais, e eu acredito que vai ser desse jeito comigo. Sei que é idiota, bobo, romântico, até infantil, mas – ele deu de ombros – fazer o quê? Tem coisas que são da gente e pronto.

– Sim, tem. E eu acho raro, mas não bobo nem idiota. É bonito ver que há jovens pensando assim.

– Que bom que o senhor entende, porque tem pessoas – Donasô, novamente – que não entendem ou fazem de conta que não entendem. Sabe, doutor Janson, minha mãe sempre contava que aconteceu bem assim com meu pai e ela. Eles se conheceram e se apaixonaram na hora. Casaram em menos de dois meses e sempre foram muito felizes juntos. O senhor deve ter visto fotos, doutor. Minha mãe era linda. Uma vez eu perguntei porque ela não tinha outro namorado, se meu pai tinha morrido fazia tanto tempo. Foi uma das poucas vezes que vi minha mãe chorar. Ela disse que nunca haveria outro, porque meu pai sempre seria o único homem da vida dela. Ela disse que soube disso no momento em que o conheceu, e que o fato de ele não estar mais conosco não mudava nada. Ela ainda o amava, e amaria sempre. – Enrique estava com os olhos rasos de lágrimas, mas não chorou. – Disse que talvez eu fosse desse mesmo jeito, me apaixonando pra valer uma vez só. E que, se eu fosse mesmo assim, era pra cuidar muito bem da minha garota, porque a vida sem ela seria vazia pra sempre.

Donasô estava muito espantada e quieta, porque Enrique nunca tinha falado assim da mãe. Enrique secou os olhos com o guardanapo.

– Desculpe aí, doutor Janson. Parece que o senhor me faz falar de coisas que eu tento nem pensar. Sei que uma coisa assim parece bobeira, mas minha mãe disse que sempre foi assim na família dela. Esperava que não fosse assim comigo, mas eu acho que é. Sinto que é, se é que o senhor acredita em pessoas sentindo coisas desse tipo. E também acho que é por isso que nunca tive namorada. A tal garota certa não apareceu ainda, mas, quando aparecer, não sei se vou correr pra ela ou pra longe dela. É muito assustador pensar num relacionamento assim. – O rapaz secou os olhos mais uma vez e riu. – Também acho que, agora, o senhor vai me meter num tratamento completo pra tirar ideias tão estranhas de dentro da minha cabeça!

Olho do FeiticeiroWhere stories live. Discover now