Capítulo 47: Visita Inesperada

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Dois anos antes

Estava escuro, preto era a única cor que existia no mundo de Cárter, é claro, existiam outras cores e tudo mais de um mundo moderno e próximo de seu auge tecnológico, mas naquele momento, naquele lugar só existia a cor preta e Carter estava com medo.

Não era um medo irracional, parecia, mas não era, Carter podia jurar que o medo que o acordava no meio da madrugada desde seus dois anos era real, a ameaça era tão verdadeira que Carter tinha certeza de um dia iria viver tudo que via.

Era um sonho, sempre eram sonhos, no entanto isso não o fazia ser menos aterrorizante. No sonho a alma de Carter estava fora de seu corpo e isso doía, ele encarava sua alma, tinha a forma de um ser vivo que não podia definir e uma aparência que não enxergava.

Então Desmontt surgia dentre a escuridão a sua volta e feria Carter com as mãos nuas, seus dedos penetravam na pele e rasgavam a carne sem encontrar resistência como se fossem facas muito afiadas.

Havia sangue, muito sangue. Carter tombava e via Desmontt tomar sua alma nas mãos e carregá-la consigo, às vezes depois disso, via sua alma em algo similar à uma incubadora e dela surgia um monstro faminto e sanguinário que não mediria esforços para saciar sua fome por destruição.

E de certa forma esse monstro era ele, Carter sentia isso, sabia que a qualquer momento poderia se tornar o monstro que estava escondido abaixo da camada de pele, apenas se fortalecendo para vir à tona.

Carter passara em uma dúzia de especialistas e todos diziam que o monstro era uma personificação de seu medo de fazer o mal as pessoas, era visto como alguém potencialmente perigoso, tomava todos os medicamentos possíveis, mas nenhum fazia efeito, previsível, já que nenhuma doença afetava seu corpo ou sua mente.

O garoto acordou naquela noite assustado, seu sonho não era terrível como muitos diziam, não havia motivos para se abalar tanto, mas sentir-se se convertendo em um monstro era terrível e mais ainda, era ver a dor nos olhos de suas vítimas.

Assim que acordou Carter foi até a escrivaninha, a agonia o consumia de tal forma que não encontrando o que procurava jogou as gavetas no chão uma a uma e não achou, procurou em outros lugares, no raquer, no baú na cabeceira da cama e no guarda roupa, encontrou uma caixa encima e a puxou, ela despencou e estava cheia de giz de cera nas cores vermelho e preto, eram tantas que se espalharam pelo quarto, rolando pelo assoalho.

Carter pegou uma preta e não vendo nada de papel a sua volta começou a rabiscar a parede, seus dedos tremiam e sua respiração estava acelerada.

Muitos diziam que ele não tinha idade para brincar com giz de cera e menos ainda para riscar as paredes e estariam certos, afinal Carter já tinha dezesseis anos, era quase um homem completsmente formado, mas o que não entenderiam é que não era uma brincadeira, desenhar era sua única válvula de escape, precisava disso mais do que precisava respirar.

Carter passava noventa porcento do tempo desperto desenhando e sentia que sem isso iria enlouquecer. Seus desenhos, na maioria eram macabros, cenas que havia visto em sonhos ou alucinações, desenhara muitas pessoas e animais mortos, alguns com características que nem existiam, desenhava um culto à um deus que tinha medo de pronunciar o nome, ele arrepiava seus pelos e lhe dava pavor.

Desenhava também uma garota loira, não conhecia seu nome, mas sabia que ela era real, a garota que controlava o espaço, parecia um herói bobo de alguma história em quadrinhos criado por alguém de mente fértil, mas não havia nada de bom, o perigo era real.

E havia Ravel, o seu primeiro desenho e depois dele muitos outros, ela era especial, não sabia como, mas se encantava pelo rosto destemido que desenhara muitas e muitas vezes, eram os únicos que desenhava por prazer e escrevia tudo que via em um caderno cheio de desenhos sombrios e frases que não havia sentido para ele próprio. Palavras que não seriam lidas por ninguém mais.

Erin, A Chave Dos MundosWhere stories live. Discover now