Capítulo 3: O sinal

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EVA

Quando cheguei em casa, minha mãe estava sentada no sofá, vendo um programa religioso, enquanto bebericava seu chá de hortelã e devorava umas rosquinhas. O colo estava coberto com uma manta azul. Eu me sentei no braço do sofá e soltei a mochila no outro.

Depois, encarei a TV. Um pastor profetizava cura na vida das pessoas no culto.

- Acabou cedo - comentou ela, sem tirar os olhos da televisão.

Meu pai subiu as escadas e foi direto para o quarto, alegando que precisava de um bom banho e uma boa noite de sono.

- Eu saí mais cedo. A festa não tava muito boa - eu disse.

- Ainda tem chá lá na cozinha, devia tomar um pouco. Já viu a previsão do tempo? A sensação térmica é de menos de dez graus. - Minha mãe relanceou o olhar para mim por um segundo. - Essa blusa que está usando me parece muito fina. Não está com frio?

- Nem tanto.

- Querida, não senta no braço do sofá. Você vai acabar com sua coluna. O que já te falei sobre a postura, hein?

Suspirando, deixei o corpo deslizar para o lado dela no sofá. Depois, peguei a manta e cobri meu colo também. Preferia falar sobre outra coisa, algo que não a fizesse me criticar mais.

- Eu não quero chá. Comi uns bolinhos na festa. - O que não era mentira. Os alunos e professores tinham feito uma vaquinha e cada um levou um prato. Eu comprei uma caixa de mini salgado sortido, mas o pessoal levou bolo de cenoura, de chocolate, brigadeiro, pudim e outras delícias.

Fiquei um tempo no sofá, vendo o programa evangélico com minha mãe, tentando entender porque ela gostava tanto disso. Depois de meia hora, disse para minha mãe que estava cansada e subi para meu quarto. Ali, guardei minha bolsa e resolvi tomar um banho quente. Foi até difícil sair de debaixo do chuveiro.

Quando já estava bem agasalhada e de pijama, fiz a minha oração noturna, peguei um livro de Jane Austen e me joguei embaixo das cobertas com ele.

Emma. Ah, como eu amava esse livro. Não era a primeira vez que o lia. Era tão apaixonada pela história que ele se tornou meu livro favorito da autora e, de vez em quando, eu o relia, principalmente quando estava entediada ou empacada com outros livros.

Jane Austen tinha o superpoder de me transportar para outra dimensão, para séculos anteriores. Ela me fazia suspirar com as histórias de amor que desenvolvia e me dava esperanças de viver algo tão lindo quanto seus personagens. Cada diálogo entre eles era poesia. E eu só queria me desligar do mundo, dos problemas e me afogar nessa leitura mais uma vez.

No entanto, minha paz não durou muito. Ouvi o celular vibrando umas quatro vezes na cabeceira. Eu o estava ignorando, mas o barulho me incomodou.

Quando peguei o aparelho, notei mais de cinco notificações de mensagens da Júlia. Para que tanto desespero? Será que esqueci alguma coisa na faculdade? Ela nunca me mandava mensagem tão tarde. E passava um pouco das 23h. A essa hora, provavelmente, a faculdade já fechou. Será que minha amiga estava com problemas? Eu sabia que a casa de Júlia não era muito perto e ela pegava dois ônibus para ir pra casa...

Cansada de especular, abri as mensagens.

Júlia: Amg

Júlia: Me perdoa

Júlia: Eu sou uma amg ruim

Júlia: Na vdd, eu fiz uma coisa ruim.

Júlia: Mas talvez seja bom, né? Depende do ponto de vista...

Julia: Não fica brava cmg.

Júlia: É o seguinte:

Ela estava digitando o resto da mensagem. Enquanto isso, olhei para a barra de notificação e resolvi excluir uma por uma. Odiava um monte de mensagem no meu celular. Fui excluindo mensagens da operadora, promoções de supermercado, pessoas oferecendo cursos com bolsa de estudos, notificações de aplicativos de edição de imagem...

Meu dedo parou numa das notificações em específico. Hesitei. Um tal de @manoelcons começou a me seguir no instagram. Espera, eu não tinha desativado as notificações desse aplicativo? Não lembrava.

E por que deixei a conta pública? Droga. Era um sinal ruim. Manoel estava me seguindo.

Sinal ruim.

Então, exclui a notificação. Com um suspiro profundo, abri novamente o chat de Júlia e escrevi:

Eu: Não precisa falar, amg. Eu sei o que é.

E sim.

Era uma coisa ruim.

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now