Capítulo 50: A bebê

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MANOEL

Arregalei os olhos. 

Tudo se tornou um caos. Geraldo ficou de pé em um pulo e se prontificou a levar minha irmã para a maternidade. Minha mãe foi até a sala e pegou a bolsa que Gabi carregava para todo lado, pois sabia que a hora de dar a luz estava chegando. 

Em seguida, minha mãe e Eva ajudaram minha irmã a se deslocar até a saída da casa. Gabi suava e gemia, pois estava com dor. Durante toda a confusão,  Ofélia e Vera disseram que ficariam em casa para arrumar as coisas. O restante de nós entramos no carro e corremos para o hospital. 

Gabi estava sentada no banco do meio. Minha mãe e eu estávamos do seu lado e ela insistia em segurar nossas mãos. Eva e Geraldo estavam nos bancos da frente e eu fiquei chocado com a tranquilidade que o homem estava. 

Eu achava que podia ter um treco a qualquer momento. O caminho até o hospital parecia longo demais e o nervosismo me consumiu de tal forma que eu precisava de apoio também, não só Gabi. Queria enfiar as mãos nos meus cabelos e puxá-los. 

A cada vez que Gabi apertava minha mão, eu quase ouvia o som dos ossos se quebrando e minha alma subia ao céu e voltava para o corpo novamente. Misericórdia. Eu não sabia que ela era tão forte. 

Calma, irmã. Estamos chegando!

Quando chegamos no hospital, Gabi foi colocada numa cadeira de rodas e sumiu com uma enfermeira, através de portas duplas. Passei a mão pela cabeça, andando de um lado para o outro. O suor pingava na minha testa. 

Eva tocou meu braço. 

— Calma, Manoel. Até parece que é você que vai ter o bebê. — Ela me deu um sorriso tranquilizador. 

— Tá difícil respirar, Eva. 

Segurou meu braço e me conduziu para sentar numa cadeira, na sala de espera. 

— Cadê minha mãe? — perguntei, percebendo só agora que ela não estava mais ali e Geraldo bebia um copo de água, perto do bebedouro.

— Entrou lá com Gabi. 

— Caraca, eu nem reparei.

— Eu sei. Você tá muito tenso. Vai dar tudo certo. 

Ela segurou minha mão por um momento e a apertou. Era o mesmo gesto que eu costumava fazer com as pessoas. Saber que Eva estava pegando minhas manias quase me fez sorrir pela segunda vez naquele dia. 

O tempo passou. E eu não lembro quanto tempo foi, mas acho que foram horas. E nada de a gente receber noticias de Gabi. Até que, por volta de 17h, minha mãe apareceu na sala de espera, usando um avental azul, uma touca e uma máscara, como se fosse médica. 

Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Ela nasceu! 

Corri para abraçá-la e a emoção quase tomou conta dos meus olhos. Depois de um tempo, uma médica apareceu e nos explicou que podíamos visitar Gabi e a bebê. 

Todos fomos para o quarto de Gabi, exceto por Geraldo, que achou melhor esperar lá fora. 

No quarto, encontrei uma Gabi com o cabelo colado na testa e o rosto brilhando de suor. Ela estava sentada numa cama, com uma pulseira branca de hospital no braço e uma pessoinha embrulhada com um cobertor azul nos braços. De longe, não dava para ver. Quanto mais me aproximei, mais percebia os detalhes dela. As mãozinhas levemente erguidas, o pézinho se movendo dentro do cobertor e, por fim, bochechas. 

Ela tinha bochechas grandes. 

E poucos fios de cabelo pousavam em sua cabeça delicada. Seu tom de pele era da cor do meu e sua boca estava levemente aberta, revelando uma parte de sua gengiva. 

Eu nunca amei tanto uma pessoa quanto amo essa criança. Ela nasceu a menos de um dia, mas eu a amaria para sempre.

Meu coração se dobrou em ternura e se derreteu por inteiro quando ela abriu os olhos e olhou diretamente para mim. Eram os olhos grandes e escuros mais lindos que já vi na vida. 

— Acho que finalmente estou caindo de amores por uma garota — sussurrei.

Gabi riu e eu lhe dei um beijo na testa. Estiquei a mão para a bebê e ela segurou meu dedo, o que me fez rir. Olhei para Eva ao meu lado e seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ela sorria, tão encantada pela criança quanto eu. 

Uma enfermeira veio até nós e sorriu.

— Olá, mamãe! Já decidiu o nome da bebê? — perguntou a Gabi. 

Minha irmã olhou para mim e para minha mãe, depois para a bebê. 

— Vai se chamar Alícia. — Ela olhou para minha mãe. — Em homenagem à minha falecida avó. 

Minha mãe pôs a mão na boca, visivelmente emocionada. 

Depois de um tempo, a enfermeira pegou a criança para fazer exames e colocá-la no berçário, enquanto eu, Eva e minha mãe conversávamos com Gabi. Nos disseram que ela receberia alta no outro dia. Enquanto isso, minha irmã nos relatou o quanto o parto foi doloroso. Disse que nunca mais queria ter essa experiência na vida e que, a partir de agora, só teria relações sexuais quando estivesse casada. E mesmo assim, daria um jeito de nunca mais ter filhos. A forma como ela falava nos fez rir e não sabíamos se era sério ou não. Mas eu esperava que pelo menos a parte do casamento fosse verdade. 

Pouco depois, deixamos o quarto e voltamos para a sala de espera. Minha mãe disse que voltaria para casa para buscar umas roupas, pois passaria a noite no hospital com minha irmã. Geraldo se ofereceu para levá-la e Eva foi junto, alegando que tinha um dever da faculdade para terminar. 

Fui deixado sozinho no hospital, na sala de espera, porque eu não queria ir embora. Ficaria até minha mãe retornar. Passava um pouco das sete da noite. Não havia mais ninguém por lá. 

Caraca, que presente de aniversário eu ganhei!

Me tornei tio. 

E seria o tio mais babão do planeta!

Eu ri um pouco, com a cabeça escorada na parede. 

Peguei o meu celular. Entrei no facebook e dei de cara com fotos de lembranças do meu aniversário do ano passado. Meu pai estava em todas elas. Minha mãe tinha me dado uma festinha surpresa e todos os meus amigos estavam na minha casa. Bati os olhos numa foto em específico em que estávamos nós quatro: o pai, a mãe, Gabi e eu. Sorrindo. Como uma família feliz. 

Encarei aquela mentira durante um tempo, até a tristeza chegar ao meu coração de novo e virar cansaço mental mesclado à raiva. Saí do facebook. Abri o chat do whatsapp. Passei a lista de contatos e encontrei o do meu pai.

Abri o chat. Ainda havia mensagens básicas que trocamos há alguns meses. Nada de conversas profundas, porque só tínhamos essas conversas pessoalmente. As mensagens no chat estavam mais para piadas internas de pai e filho, risadas, zoações. Talvez, essa fosse a parte que mais me fazia falta. A gente ria de tudo junto. E de repente, o riso morreu. Acabou a brincadeira. Ou melhor, meu pai desceu da gangorra e me deixou brincando sozinho, sem avisar que tudo tinha acabado. 

Eu vou sentir sua falta para sempre, pai. 

Sentiria falta da pessoa que eu achava que ele era, na verdade. 

Pela primeira vez desde que ele foi embora, eu me vi apertando o botão de mandar áudio. 

— Boa noite, pai. Eu só tô passando pra dizer que hoje é meu aniversário, caso o senhor não se lembre. Há um ano, estávamos em casa, em torno de uma mesa, comemorando os meus vinte e um anos de idade. Você fez uma piada. Me mostrou a foto de um carro preto e disse “tá vendo esse carro aqui?” e quando eu disse que sim, você soltou essa “eu comprei um tênis pra você da mesma cor”. — Eu ri, com a lembrança. — A gente riu tanto. E agora eu tô aqui sentado numa sala de espera de hospital, porque minha sobrinha acabou de nascer. E sabe de uma coisa? Ela é linda. Esse é o melhor presente de aniversário que eu já ganhei. Quando olhei para o rostinho da minha sobrinha, eu percebi que embora o senhor tenha matado a nossa família, ela renasceu, pai. Hoje, a minha família renasceu por causa daquela criança. Todos vamos ficar bem. E não se preocupe. Estou seguindo seu conselho e sendo um homem melhor do que você. 

Mensagem de voz enviada.

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum