Capítulo 55: A Marília

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EVA

Os sons da sirene do carro da polícia quase me deixaram surda. Eu arrastava meu corpo nu e encharcado, com os pés descalços no asfalto, queimando minha pele. Olhei para trás por um momento e o carro não parava de me seguir. 

A aflição tomou conta de todo o meu corpo e a estrada não tinha fim. Ao tentar fazer uma curva, fui de encontro a uma floresta e as pontas dos galhos de árvore caídos no chão rasgaram a pele dos meus pés, me fazendo tropeçar e cair. 

Por favor, não me peguem. 

Um rugido ao longe me encheu de calafrios e eu desejei ser resgatada, porém ninguém estava lá. Até que meus olhos se ergueram para a frente e eu vi, ao lado de uma clareira, uma casinha pequena, de aspecto amável, soltando fumaça por uma chaminé. Não sei de onde tirei forças, mas em questão de segundos, corri até lá. 

Ao abrir a porta, minhas narinas foram invadidas pelo aroma doce do bolo de fubá cremoso da vovó. Chamei seu nome e ela veio da cozinha, vestida com um avental branco por cima de uma roupa toda preta. 

Sorriu para mim.

— Ainda bem que você chegou, querida! Estava te esperando para tomarmos um chá de camomila e comer um bolo, que eu sei que você adora. Vem. — Ela me esticou a mão e antes que eu pudesse segurá-la, sua imagem se tornou um borrão. 

— Não, não, não — sussurrei sem parar. Olhei em volta e o mundo estremeceu. 

Tudo estava sumindo. Não havia nada a que me agarrar. 

Meus olhos se abriram com força e eu me sentei, ofegante. 

— Aqui, toma um copo de água — disse uma voz familiar, que não associei a nada. Só enxerguei o líquido na minha frente. 

Eu o agarrei com força e bebi a água em um gole só. Só depois de devolver o copo, olhei em volta. 

Essa não era minha casa. Quando meus olhos pararam na pessoa à minha frente, encarei olhos claros e amorosos.

— Marília… — sussurrei, sentindo um latejar no lado direito da minha cabeça. 

Ela passou a mão no meu cabelo.

— Você teve um pesadelo, mas já passou. 

— Que horas são?

— Seis e meia da manhã. 

— Ah.

— O Manoel está tomando banho, ele vai te levar para casa.

Me encolhi no sofá.

— Não. 

— Eva, seus pais estão preocupados com você. Tem que ir pra casa. 

Meus olhos se encheram de lágrimas. O único lar que eu conhecia tinha cheiro de plantas e bolo. 

— Eu quero a vovó. 

Ela apertou os lábios e segurou minha mão.

— Você precisa ser forte, querida. — Mantinha uma fala mansa, suave, carregada de compaixão. — Me escuta, eu entendo sua dor. Sei como é perder alguém importante. Perdi os meus pais quando ainda era muito jovem, tinha quase a sua idade. Você ainda vai ouvir muito sobre o quanto precisa ser forte. E realmente, você precisa. Está passando por uma fase difícil e, acredite, você ainda vai sofrer durante dias, meses e até anos. Mas uma hora a dor fica menor, minha querida. Uma hora, ela fica suportável, você vai ver. 

Desde que ouvi a notícia de morte da vovó, não consegui esquecer suas últimas palavras e a última vez que a vi. Era como se ela soubesse o que ia acontecer. Pensar nisso me apavorava. 

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now