Capítulo 30: O culto

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EVA

Por volta das 19h, desci do carro do meu pai e encarei a igreja enorme na minha frente. Não vou negar que fiquei surpresa por ele ter concordado em me levar até lá, quando lhe pedi assim que cheguei da casa da vovó.

Para meu alívio, Júlia já me esperava lá na porta. Ela cumprimentou meu pai brevemente e ele me disse para avisar quando o culto estivesse acabando.

- Amei seu colar! É a sua cara - Julia disse, sorrindo e encarando pingente vermelho, assim que meu pai foi embora.

Engoli em seco.

Antes que eu abrisse a boca para responder, umas meninas apareceram na porta e Júlia se virou para falar com elas. Conversaram sobre vários assuntos que eu não entendia até que, por fim, minha amiga se lembrou de me apresentar.

Algumas delas elogiaram meu colar também e eu quis sumir. Não queria chamar atenção e nem revelar, sem querer, que foi o Manoel que me deu a joia.

Quando entramos na igreja, havia uma banda no altar e todas as cadeiras estavam afastadas. Certamente haveria gincanas e eu só esperava que ninguém tentasse me forçar a participar. Havia tanta gente desconhecida que eu queria grudar no braço de Júlia e não soltá-lo até o fim do culto. Mas não foi possível, pois assim que me sentei numa das cadeiras, ela pôs sua bíblia ao meu lado e saiu, dizendo que voltava logo.

Quando o culto começou, Júlia retornou ao meu lado. O ministro de louvor pediu aos jovens para ficarem próximos ao altar. E deu-se início uma música agitada. A energia era boa. Os jovens eram alegres e pulavam sem parar, porém eu só conseguia bater palmas, estagnada no meu lugar, até Júlia ir até mim e me puxar para frente, perto do altar.

Eu fui, mas quase não dancei. Morria de vergonha dessas coisas. E depois de toda agitação, veio a melhor parte: hora de fecharmos os olhos e cantarmos louvores lentos, que pudessem conectar nossos corações ao de Deus.

Na hora da palavra, pediram que nos sentássemos no chão mesmo, em algumas almofadas espalhadas por lá.

O tema da pregação foi depressão e outros transtornos mentais. Um pregador negro, de cabelo black power, apareceu com estudos, artigos de psicólogos e psiquiatras e a bíblia e nos passou uma mensagem forte, sobre algo que nunca ouvi na igreja dos meus pais.

- A gente tem que parar com essa mania de espiritualizar tudo, meus queridos - dizia ele. - Às vezes, a tua depressão pode ser falta de vitamina D no corpo. Já parou pra pensar nisso? Tem coisas que um médico e uma mudança no estilo de vida resolveriam. Deus faz milagres? Sim. Mas nós temos que parar de ser preguiçosos e querer deixar tudo nas mãos Dele. Quando o Senhor fez Adão, o que Ele disse? Que o homem devia cuidar do jardim. E mais! Deus deu autoridade pra ele dar nomes aos animais e governar sobre eles. Então não confunda. Existem coisas que Deus pode fazer, mas também existem as que nós podemos fazer. Nem tudo é espiritual. Pare de colocar a culpa em Deus ou no diabo. Toda vez que fazemos isso, estamos tentando nos livrar da responsabilidade de corrigir nossos erros. Afinal, por que eu vou me corrigir se não acho que tenha feito nada de errado? Então, reavalie sua vida. Se o que você precisa é de terapia, então faça. Deus pode usar um psicólogo pra te ajudar. Se possível, entre numa academia, vá ao médico com frequência, mude sua alimentação. Não é errado fazer essas coisas, irmãos. Esqueça essas pregações dizendo que o seu problema é demônio ou que seu transtorno mental é falta de fé. - Ele começou a andar de um lado para o outro e a voz parecia abalada ao dizer: - Deus ama você. Parece bobo, você já deve ter ouvido muito essa história. Mas é a verdade. E às vezes sinto que a igreja deve um enorme pedido de desculpas para todas as pessoas que ela magoou. Pessoas que... Chegaram deprimidas, sobrecarregadas, enfermas, miseráveis. E tudo o que ouviram foi que precisavam orar mais. Mas eu te pergunto: o que fizemos por elas?

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now