Capítulo 6: A vovó

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EVA

Uma das coisas que eu mais gostava na casa da minha avó era ajudá-la a regar as samambaias que tinha no corredor perto da garagem. Aos seus setenta e cinco de idade, ela não podia se dar ao trabalho de ficar agachada cuidando das plantas. Era esforço demais para sua coluna. Além disso, o ponto alto dos meus dias sempre ocorria quando eu ia em sua casa. Ela também ficava feliz em me receber, porque nunca tinha muitas visitas, levava uma vida solitária. E claro, eu aproveitava que estava de férias para visitá-la com mais frequência.

- Você já está acabando, querida? - perguntou, aparecendo na porta da sala.

Ergui os olhos para ela por um momento.

- Ainda faltam duas samambaias.

- Termina logo, fiz bolo de cenoura pra comer com chá de gengibre e mel. Vai esfriar.

Quando mais jovem, minha avó era confeiteira e encantava a todos com suas receitas. Ninguém resistia às suas guloseimas. Ela se aposentou há alguns anos e sentia falta do ambiente de trabalho ao qual dedicou sua vida inteira. Hoje em dia, cozinhar era mais como um passatempo para ela. Mas um passatempo que eu amava e não tinha do que reclamar.

Eu assenti e ela voltou para a cozinha. Peguei o frasco com água e voltei a borrifá-la nas plantas. Quando terminei, atravessei a porta da sala e fui até a cozinha. O aroma do chá impregnava o ambiente.

- Você podia lembrar o teu pai que eu ainda tô viva, sabia? - Vovó comentou, quando me sentei numa cadeira e comecei a cortar uma fatia de bolo.

Meu pai trabalhava numa construtora, como pedreiro. Sempre chegava em casa cansado e usava do argumento de que não precisava ver a vovó com frequência. Essa era uma queixa constante dela. No entanto, eu não tinha coragem de cobrá-lo. Era capaz que eu recebesse um sermão do tipo "Preciso trabalhar. Quem vai pagar as contas dessa casa? E quem vai pagar sua faculdade?". Apesar de minha mãe trabalhar como balconista de uma loja de brinquedos, a maior parte dos gastos ficava sob a responsabilidade do meu pai. Às vezes, eles amavam jogar na minha cara que pagavam o meu curso de Jornalismo só para eu não ter que trabalhar e estudar ao mesmo tempo.

- Ah, ele tá ocupado, vózinha - eu sempre a chamava assim, acho que por questão de intimidade. Ela era a pessoa em quem eu mais confiava no mundo. Sempre tivemos um contato próximo, desde que eu era criança. Ela costumava me mimar, me enchendo de presentes e passeios legais, enquanto meus pais viviam ocupados demais com outras coisas e não podiam me dedicar tanto tempo.

Eu lembrava das várias vezes que minha mãe me deixava na casa dela para ir trabalhar. Eu ficava bisbilhotando as coisas que vovó fazia na cozinha. Algumas vezes, ela até me deixava participar e o local virava uma bagunça.

- Eu sei bem quando ele vai vir. Quando eu estiver morta. Aí ele vai aparecer no meu velório - ela disse, com amargor, enquanto se sentava devagar, na cadeira à minha frente.

Apertei os lábios. Odiava quando ela fazia esse tipo de comentário. Então, fingi que não me magoava e apertei sua mãozinha de leve.

- Mas eu tô aqui. E quero ouvir cada detalhe do que a senhora tem feito. Como anda o clube do tricô? - Tratava-se de um grupo que a vovó montou com umas duas vizinhas. Elas se reuniam alguns dias para tricotar, conversar sobre a vida e beber chá com biscoitos.

Vovó fez uma careta.

-Vai mal, minha filha. Dona Nilde se acidentou na escada de casa esses dias e atacou a artrose dela. O médico recomendou repouso. Desde então, ela não tem participado mais do clube. Já a Elza, anda ocupada demais cuidando do netinho que nasceu esses dias.

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora