Capítulo 45: O ator

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MANOEL

Não.

Pisquei e escorreguei para o assento do sofá.

— Peraí, mãe. Isso é alguma cena de uma novela que a senhora tá acompanhando? É isso?

— Eu tô falando do teu pai, Manoel.

Não.

— Não. Ele... ele...

Ela deu um sorriso torto, nada feliz. Nunca a vi desse jeito antes, estava me assustando.

— Eu não devia te contar isso desse jeito.

— Mãe, meu pai te ama.

Ela secou as lágrimas e colocou a mão no meu joelho, gentilmente. Sua calma me assustava.

— Manoel, eu flagrei teu pai na cama com outra mulher quando cheguei em casa. Cheguei mais cedo do trabalho, com Gabi. Desistimos de ir ao shopping porque ela não se sentia muito bem. Além do mais, você sabe que meu quarto é lá no fundo, não dá pra ouvir nada que se passei aqui embaixo.

Dei um pulo do sofá e soltei um riso histérico de incredulidade que soou bem bizarro aos meus próprios ouvidos, igual as risadas dos vilões de filme.

— Não.

Ela me olhou com os olhos cheios de compaixão.

— Filho, eu sei que é difícil acreditar, mas me escuta. Ele enganou todos nós — Sua voz vacilou. — Quando... — suspirou. — Quando eu os flagrei, a mulher foi embora, sem saber onde enfiar a cara. Eu tive uma discussão horrível com seu pai até ele abrir a boca e confessar tudo o que estava acontecendo. Ah, se você soubesse como é difícil arrancar verdades dele. Disse que estava tendo um caso com essa mulher há um ano e que se apaixonou por ela.

Não. Era uma piada. Olha, devo confessar que minha mãe era uma ótima atriz. Certamente tirou essa história de alguma novela e estava curtindo com a minha cara. No fim de tudo revelaria ser uma pegadinha. Certeza. Sempre fomos palhaços uns com os outros, mas dessa vez meus pais estavam de parabéns.

— Mãe... Você e meu pai viviam felizes. Dava pra ver! Todos os gestos de carinho... Diz pra mim que é mentira. — Mordi o lábio inferior e coloquei a mão na cintura, a voz enfraquecendo. Seu silêncio começou a me perturbar. — Mãe, fala que é uma piada. Diz que é mentira isso que tá me contando. Por favor.

Ela fungou.

— Ah, meu filho. Você é tão ingênuo. Acreditou mesmo nesse conto de fadas? Nada ia bem entre teu pai e eu. Há anos.

— Mas vocês nunca brigavam! Mãe, vocês eram um casal referência na igreja. Teve uma época que até foram convidados para pregar no culto de casais. Todo mundo elogiava vocês.

Ela ficou de pé, franzindo as sobrancelhas. Era como se minhas palavras a torturassem.

— Nunca gostamos de brigar, querido. A gente se incomodava com as coisas e ficávamos calados. A gente tentava relevar, sabe? Teu pai fez muitas coisas que me incomodavam e eu deixei passar, justificando as atitudes dele na minha cabeça. E ele fez a mesma coisa comigo. Nunca falávamos do que nos fazia mal, do que prejudicava nosso casamento. A gente só empurrava com a barriga e não buscamos melhorar. — Ela riu, amargurada. — Tanto é que eu só descobri hoje que ele já não me amava faz tempo. E sinceramente, ele só era carinhoso comigo na frente de outras pessoas, porque se importava com as aparências.

Não. Nada disso parecia real. Era como se eu tivesse caído numa realidade alternativa.

— Mãe, isso não pode ser verdade. Ele... Não. Não acredito nisso. Convivi com ele a vida toda. Não dá pra enganar os filhos durante anos!

— Meu amor, houve uma época que ele realmente me amou. Porém, quando o sentimento acabou, começou a encenar. — Ela me encarou. — Se quer mesmo ouvir toda a verdade, aqui vai: teu pai sempre foi um grande ator. Quando falei isso da outra vez, talvez tenha passado batido. Lembra quando ele te garantiu que não ia explodir e pouco depois fez isso? Ele vive de atuação, Manoel. Todos os sorrisos, as palavras doces, os "eu te amo", tudo encenação. Ele vive como se a vida fosse um teatro. Enquanto houver plateia, ele vai atuar. Mas nos bastidores... as coisas são diferentes, né? Desde que... — Ela suspirou, tentando controlar as lágrimas. — Desde que o conheci ele tinha um ar de cara galanteador, sabe? Me passava uma autoconfiança tão grande. Várias garotas queriam ficar com ele, mas ele me escolheu. Na época, meus pais eram contra nosso namoro apesar de sermos da mesma religião. Eles não gostavam dele, mas ignorei todo mundo porque estava apaixonada. No fim, forcei meus pais a engolirem nosso relacionamento. Não entendia porque eles não gostavam do Douglas. Mas uma vez, me disseram que ele era falso, sempre parecia interpretar um personagem. Eu não achava isso. Com o tempo, percebi que ele falava uma coisa e fazia outra, mentia para as pessoas algumas vezes. Ele sempre mentiu muito bem, descaradamente. E apesar de saber dessas falhas de caráter, continuei ao lado dele, porque o amava. Fiquei cega. Estava encantada com uma imagem de santidade que ele me passava. Sempre estávamos na igreja, sempre líamos a bíblia juntos, sempre orávamos.

— Não, não, não... — Uma lágrima escorreu pelo meu rosto e eu a limpei com força. — Isso é mentira! —Minha voz engrossou como nunca pensei ser possível.

Os lábios dela tremeram.

— É complicado demais, Manoel. Sei que vai levar um tempo... pra você digerir tudo isso.

— Ele tava indo pra terapia, mãe.

Seus olhos se encheram de lágrimas novamente.

— Não, filho. Teu pai nunca foi pra terapia. A terapia dele era ir pra casa da amante. As saídas aos sábados pra jogar futebol? Nunca existiram. Foi tudo por causa dela. Pior é que eu estava disposta a perdoar a traição, se ele se arrependesse. Eu... mandei que escolhesse. Disse que íamos superar isso. —As lágrimas caíram. — Eu disse que se quisesse ficar com ela, que fosse embora dessa casa.

E ele foi.

Jesus, ele foi.

Não. Não. Não.

— E a Gabi?

— Ela estava comigo quando entrei no quarto e viu tudo. Ficou transtornada. Como ela não pode tomar calmante por causa da gravidez, fiz um suco de maracujá bem forte para acalmá-la. Nunca vi minha filha daquele jeito antes. Ela gritava e chorava tanto, tive que segurá-la, porque começou a jogar coisas no chão. Nada disso é bom para a bebê. Depois, fiquei com ela no quarto até que pegasse no sono. É melhor não acordá-la.

Voltei a me sentar no sofá, lentamente.

Não consigo respirar.

— E agora, mãe?

Ela sentou ao meu lado e se abraçou com os próprios braços. Foi uma das imagens mais deprimentes que já vi. Novas lágrimas se formaram em seus olhos e caíram.

Ela ama o meu pai.

— Eu não entendo o que tem de errado comigo — sussurrou, encarando as próprias mãos. — Por que não fui o suficiente pra ele?

Balancei a cabeça, discordando de sua forma de pensar. Não é sua culpa, mãe.

Segurei em seus braços e fiz com que ela me encarasse. Dane-se como eu me sentia. Cuidaria dos meus machucados depois. Minha mãe precisava mais de mim agora.

— Me escuta — falei, subindo as mãos para seu rosto, segurando minhas próprias lágrimas nos olhos. — A senhora é linda, me ouviu bem? Tenho orgulho de ter uma mãe tão trabalhadora, honesta e talentosa como você. Nunca, jamais permita que ninguém derrube sua autoestima. O que aconteceu não tem a ver com a senhora. É problema do meu pai, só dele.

Ela fungou e não conseguiu falar mais nada. Curvou-se para a frente e caiu em prantos, eu me aproximei mais e ergui os braços. Ela escorou a cabeça no meu ombro e desabou.

Comecei a afagar suas costas.

Eu serei um homem melhor, pai. 

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]حيث تعيش القصص. اكتشف الآن