Capítulo 17: A culpa

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EVA

Segurei o choro durante todo o trajeto de volta para casa. Porém, quando meu pai virou a esquina, falei:

- Me deixa na casa da vovó.

- Tua vó tá dormindo essa hora, Eva. Você vai incomodá-la.

Como ele poderia saber disso se nem a visitava? Meu sangue ainda fervia nas veias.

- Por favor, eu quero dormir lá hoje. Amanhã volto pra casa cedo.

Ele olhou para mim e, talvez, ao ver meu desespero, assentiu e parou o carro. Eu agradeci e pulei do veículo. Não me importava com o que vestiria. Só queria ver a vovó e despejar sobre ela tudo o que me afligia. Ela era a única pessoa no mundo inteiro que eu me sentia livre para fazer isso.

Por favor, não morra nunca, vózinha. Eu preciso da senhora.

Abri o portão da casa dela sem dificuldade, atravessei o corredor e abri a porta da sala. A TV estava ligada e minha avó dormia no sofá, coberta com uma manta marrom. Sobre a mesa de centro havia um livro de receitas e sua bíblia.

Eu me sentei no sofá ao lado e me encolhi um pouco. Temia que ela se assustasse ao me ver ali de repente. E na idade dela era perigoso levar susto. Deixei minhas lágrimas caíram silenciosamente.

Não estava tão triste assim pelas piadas de Manoel na aula. Mas lamentava que tivesse estourado com ele daquela forma, lamentava que meu pai praticamente tenha me esquecido na faculdade na segunda e não tenha me dado nenhuma satisfação e lamentava ter me exposto tanto ao Manoel. Não devia ter escolhido paleontologia, não devia deixá-lo me fazer companhia na saída do bloco A. Não era para eu trocar nenhuma palavra com ele. Pior é que escondia tudo de Júlia porque temia sua reação. Não queria que ela interpretasse errado as coisas. Eu não tinha interesse amoroso em Manoel, não sabia nem se era cristão. Mas é provável que não. Um cristão não agiria como ele agia.

Um cristão de verdade se importava com o testemunho que deixava por onde passasse. E teria mais modos, seria respeitoso com as pessoas. E também fiquei arrasada porque o professor chamou minha atenção na sala. Isso nunca aconteceu comigo, nem no ensino fundamental ou na pré-escola.

Sempre fui obediente a todos!

As palavras de Júlia reverberaram na minha mente. Manoel tinha um superpoder de desvirtuar até as pessoas mais quietinhas. Como pude me deixar levar? Como ele podia ter tanta influência assim sobre mim? Era um absurdo! Na próxima aula de paleontologia, sentaria do outro lado da sala, há vários metros de distância dele. Talvez eu trocasse de optativa. Ainda dava tempo de mudar para Antopologia.

- Eva? - Vovó sussurrou.

Ergui a cabeça e a vi sentada. Nem reparei que tinha acordado. Eu me sentei também e enxuguei as lágrimas.

- Desculpa, eu não queria te acordar, vozinha.

Seus olhos se encheram de compaixão.

- Ah, querida. O que foi? Tá tudo bem com seus pais?

- Ah sim, não se preocupe. Não é nada com eles. O problema é comigo. Pedi pro meu pai me deixar aqui.

- Parece que você tá precisando de colo. Vem aqui. - Ela ergueu os braços e fui até lá, sentando na ponta do sofá, permitindo que vozinha me abraçasse. - Primeiro as lágrimas, depois a voz, querida.

Essa era uma frase que ela usava muito. Significava que eu podia apenas chorar o quanto quisesse e quando me acalmasse, contava o que aconteceu. Não dava muito certo fazer os dois ao mesmo tempo.

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now