Capítulo 47: A decisão

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MANOEL

Depois de um tempo sentado na calçada com Eva, olhei para meu relógio e vi que era tarde. Disse que ela precisava ir para casa e chamei um Uber. Pedi desculpas por cancelar a noite da pizza e por não poder acompanhá-la.

Ela entendeu e me deu um abraço apertado antes de entrar no carro e partir, compartilhando o trajeto comigo pelo celular. Precisava ter certeza de que ela chegaria bem. Até pedi que mandasse uma mensagem quando chegasse.

Eu a observei sumindo na esquina e entrei em casa. A sala estava um breu e, de repente, parecia um lugar inabitável e sem vida. Como se algo tivesse morrido ali. E pensando bem, morreu mesmo. Fui até a cozinha sem me importar de acender a luz e abri a geladeira. Peguei um copo no armário e o enchi de leite puro. Dei longos goles, mas o nó na minha garganta não passava. E já esgotei todas as minhas lágrimas.

Só conseguia pensar em como meu pai conseguiu enganar todo mundo.

Ouvi conselhos daquele cara. Ele mentiu olhando nos meus olhos e sorrindo. Como alguém conseguia ser assim? E quando foi que ele largou Jesus no meio de sua caminhada? Quando foi que desviou do caminho? Será que alguma vez já esteve no caminho? Porque eu não acreditava que isso aconteceu apenas quando começou a ter um caso. Talvez, o caso tenha sido o ápice, a consumação de algo maligno que se enraizou e se cresceu dentro dele. Era algo que ninguém percebia, mas estava lá, sendo alimentado dia após dia.

E agora esta casa estava morta, vazia, silenciosa. Todas as cores sumiram, só restou o preto. A terrível ausência de vida.

Por que parece que ninguém mora aqui?

Terminei minha bebida, mas não soltei o copo. Em vez disso, apertei-o tanto que ele se quebrou na minha mão e cortou meu dedo. Senti um ardor e enfiei a mão embaixo da pia. Depois, abri a torneira.

Queria gritar. Mas era como se não tivesse mais voz. A mágoa estava virando raiva, dentro de mim, e eu me odiava por isso. Eva orou comigo, pela primeira vez. E foi uma das coisas mais lindas que já ouvi. A sinceridade em suas palavras me tocou e me fez chorar ainda mais.

A oração me deixou um pouco mais calmo. Deus colocou um pouco de sua paz no meu coração, só até onde eu permitia. Que não foi muito.

Mas entrei em casa. E cada cômodo me lembrava do meu pai. Ainda hoje, estávamos sentados na sala, batendo papo e jogando videogame. Foi nessa cozinha que eu entrei outro dia e ele me mostrou a tartaruga que adotou.

— Manoel.

A voz de Gabi me fez virar a cabeça e eu desliguei a torneira. Peguei um papel toalha e fiquei segurando na mão, para estancar o sangramento.

— Oi.

Vi sua silhueta escorada no umbral da porta.

— Você cortou a mão?

— Ah, foi um acidente. — Mais ou menos. Senti tanta raiva que desejava ferir alguém. Uma parte minha fez isso de propósito, talvez tentando aliviar o sofrimento, mas não resolveu muito.

Gabi se aproximou da mesa e sentou numa cadeira. Fui até ela e tomei o assento ao seu lado. Ela esticou os braços sobre a mesa e ficou brincando com sua pulseira.

— A mãe te contou?

— Sim.

Minha irmã estava calma demais. Talvez ainda fosse efeito do suco de maracujá.

— Você acha que eles vão brigar na justiça pra ver com quem eu fico?

— Não, Gabi. Acho que as coisas estão bem claras. O nosso pai abriu mão de você também.

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now