Capítulo 56: O confronto

33 8 4
                                    

EVA

Eu esperava receber um milhão de broncas por fugir de casa e quebrar o castigo. Quando entramos na sala, sentei no sofá e minha mãe sentou ao meu lado. Já tentei preparar os ouvidos.

— Eva, todos estamos tristes pela morte da sua avó. Acredite. Eu não vou brigar com você por fugir e por ver Manoel. 

Funguei e ergui os olhos, um pouco surpresa pela não-bronca. Vamos lá, mãe. Cadê a pegadinha? 

— Cadê o meu pai? — perguntei, com a voz rouca. 

— Está no quarto. Ele não saiu mais de lá desde ontem. Não quer falar com ninguém, nem ver ninguém. Quase não está se alimentando. Estou cuidando de tudo. Nem sei se ele quer ir ao velório. 

Fiquei de pé, tomada de uma coragem que devo ter pego emprestado de alguém, pois não era minha.

— Vou falar com ele. 

— Vou ajeitar algumas coisas aqui em casa e depois vou ao necrotério resolver os últimos detalhes para o velório da sua avó. Não prefere vir comigo?

— Quero ficar com meu pai. 

Ela deu de ombros. Não parecia na defensiva, como sempre. Nem insistiu para eu acompanhá-la. Parecia derrotada, o que talvez fosse pior. No entanto, seu rosto não dizia muita coisa. Mas eu estava cansada. Passei a vida inteira tentando decifrar o que meus pais sentiam.  

Tornei a me sentar e passei um tempo no sofá. Só subi as escadas quando ela saiu de casa. Segui pelo corredor que levava aos quartos. Bati na porta do quarto dos meus pais umas três vezes e não obtive respostas. Respirei fundo e entrei mesmo assim. O local estava um tanto bagunçado, porém meu pai estava sentado na cama, com as costas escoradas na cabeceira, em dois travesseiros, usando pijama. Olhava para o nada, até me ver. 

Parei na frente da cama e meu peito se encheu de um sentimento forte que não consegui identificar o que era. Queimava como fogo em meu coração. 

— Levanta! — ordenei, em um tom firme, grossa, quase como um rugido, como se eu tivesse autoridade pra isso. Ele não reagiu, não fez nada. — Anda, fica de pé! — dei um chute na cama, para ver se ele fazia alguma coisa. 

Nada. 

Seus olhos estavam abatidos e algumas lágrimas escorriam silenciosamente por seu rosto. Ele não fazia sequer uma careta e nem tentou me repreender por falar desse jeito com ele. 

Nenhum excesso de silêncio é bom. 

Soltei uma risada de indignação. 

— Tá bom, pai! Se não vai levantar pra gente conversar, eu vou falar mesmo assim. Sei que você tá sofrendo. E o senhor não tem noção do quanto eu queria ter passado os últimos dias de vida da vovó na casa dela. Talvez, se eu estivesse com ela ontem, teria dado tempo de chamar uma ambulância. Ela ainda estaria viva! — Afastei novas lágrimas com as mãos, a fúria subia pelo meu peito como uma chama que se alastrava e incendiava tudo. Já abri a boca e iria até o fim. — Agora nunca mais vou ouvir a voz dela. Nunca mais vou regar aquelas samambaias, rir das piadas bobas dela, ajudá-la a limpar a casa e comer das comidas saborosas dela. E eu tô com muita raiva do senhor, porque nunca demonstrou que a amava de verdade. Não acredito que pensava em colocá-la num asilo. Um asilo, pai! — gritei. — Qual o seu problema? Ela só queria passar mais tempo com o senhor! Agora sinto meu peito sangrar e não consigo parar o sangramento. Você me magoou! Por muitos anos. Você… nunca disse que me amava. — Ri um pouco, nervosa. — A coisa mais triste do mundo foi eu ter que ouvir do Manoel sobre o amor antes de ouvir de você, que é meu pai. Eu devia aprender tudo sobre a vida com você. Mas só cresci aprendendo sobre o que eu não podia fazer, porque você ficaria bravo! Você demorou horrores pra me buscar na faculdade e não deu sequer uma satisfação. Eu merecia, pai! E agora tudo em mim dói e eu preferia mil vezes estar na casa de gente que conheci ano passado do que aqui, porque você e a mãe fazem tudo parecer pior pra mim. A vida toda eu sentia que só a vovó me amava, eu queria… morar com ela! E… — Respirei fundo, o coração martelando no peito. — Eu só queria me sentir amada pelo senhor. Passei a vida toda tentando te agradar, mas nunca pareceu o bastante. Você e a mãe sempre fizeram eu me sentir um lixo, uma pessoa inútil. E sabe de uma coisa? Sou maior de idade. Tenho dezenove anos e ainda sou tratada como um bebê idiota. — Minha voz vacilou e meus lábios tremeram. — Então, reage! Faz alguma coisa. Ficar prostrado nessa cama não vai adiantar de nada. Não vai trazer a vovó de volta. 

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now