Capítulo 25: A queda

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MANOEL

E ai, senhorita? Quanto tempo? Dois minutos? — Eu ri, ao me jogar na cadeira ao lado de Eva assim que cheguei na sala. Aguardava ansiosamente para a próxima aula de paleontologia e, confesso, a garota ao meu lado era um incentivo a mais.

Passei uma parte considerável do dia pensando nela, lembrando de suas expressões faciais, seus sorrisos. Fiquei revivendo a tarde agradável que passei na casa de dona Ofélia. Quase não consegui me concentrar enquanto fazia o dever da disciplina de FFPISED (Fisiopatologia e Farmacoterapia dos Processos Inflamatórios do Sistema Endócrino e Digestório). Às vezes, os nomes das matérias eram tão longos que abreviávamos ou dávamos um apelido.

Quando cheguei na faculdade, pisava em nuvens. Passei pelo corredor assobiando, como se minha vida não fosse uma correria sem fim, como se eu não fosse trabalhar amanhã e não tivesse nenhuma pesquisa da faculdade pra fazer. Minha alegria redobrou e meu coração se agitou assim que vi Eva, na sala.

Ela ergueu a cabeça da mesa e me encarou, com olhos inchados. Minha bolha de felicidade se rompeu, o riso morreu na hora e deu lugar à preocupação. Será que aconteceu algo com sua avó? Ou seria com seus pais? Pensando bem, ela não falava muito deles.

Será que fui eu? Fui longe demais lhe dando aquele colar? Ela nem estava usando! Também não usava seu costumeiro gloss rosinha. Seu cabelo estava um pouco bagunçado. Talvez tenha passado muito tempo com o rosto enfiado na mesa.

Ela se endireitou, pegou um elástico preto do punho e prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo. Acompanhei seus movimentos com os olhos.

— Eva, o que foi?

— Você tem algum medo absurdo de alguma coisa? Tipo, uma fobia.

Não entendi o motivo da pergunta, mas fui sincero na resposta:

— Sim. Eu me cago todinho só de pensar em pegar um avião. Foi por minha causa que meus pais viajaram comigo pro Maranhão de carro. Pelo menos eu tirei umas fotos legais na estrada. E na verdade, o medo não é do avião em si. É a altura. Não respondo por mim, é sério.

Ela deu um riso fraco, parecendo desanimada, encarando a mesa.

— Como você enxerga isso, sendo cristão?

— Eu acho que o ser humano é limitado, em primeiro lugar. Tipo, a gente ainda não foi glorificado. Então é óbvio que haverá sofrimento e medos até o fim da nossa vida aqui. E só na nossa vida na eternidade é que teremos plenitude em todas as coisas boas. Sem medos, nem sofrimento. Mas... enquanto estamos aqui, o que a gente pode fazer é orar, sabe? Eu sei que Deus tem misericórdia de mim e tal. Só que eu sempre penso que a situação seria mil vezes pior sem Ele.

— Você não acha errado a gente ter medo?

— Claro que não, Eva. — Eu me virei para o lado e apoiei o braço nas costas de sua cadeira. — O medo faz parte da vida. Você não lembra o que aconteceu com Elias? Ele se borrou todinho de medo de Jezabel e se escondeu numa caverna. E tipo, não era qualquer pessoa. Ele era o cara. Um grande profeta. E mesmo assim Deus recolheu ele. O medo não o fez ir pro inferno. E Jesus? Você acha que Ele não sentiu medo? O que foi aquela oração no Getsêmani?

Enquanto eu falava, seus olhos se encheram de lágrimas e eu desejei tomar a sua dor para mim, só para vê-la sorrindo outra vez. Já fazia um tempo que ela estava sofrendo por alguma coisa, só não me contava o que era. Talvez, fosse cedo. A garota precisava de tempo para me conhecer mais e saber que eu era a última pessoa no planeta que a julgaria. Ela era muito desconfiada e eu não sabia se era uma característica típica de jornalista ou não, porque Júlia era igualzinha, impressionante.

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now