Capítulo 43: O sorvete

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MANOEL

Vovó Ofélia podia ter economizado no gás hoje e feito a comida no asfalto — eu disse.

Eva riu e meu coração vacilou. Era totalmente apaixonado em sua risada. 

— Não seja bobo.

— Não me pede algo impossível. 

Ela suspirou e começamos a andar. 

— Então, como está sua família?

— Bem. Eu tava jogando videogame com meu pai antes de você me chamar, hoje cedo.

— Desculpa, atrapalhei um programa de pai e filho?

Dei de ombros e mudei de lado na calçada, ficando perto do asfalto. 

— Não. A gente faz isso às vezes, quando estamos em casa. Mas hoje é exceção. Além do mais, ele ia sair também… 

— Por que faz isso?

— Isso o quê?

— Fica mudando de lado enquanto a gente anda. Parece que tô andando com uma barata tonta.

Dei risada.

— Foi mal. É que eu precisei mudar de lado, não queria que você andasse próxima do asfalto. 

— Já sei, é só por questão de segurança, né? Se acontecer de um carro avançar pra cima da gente, você me protege?

Sim. Era exatamente por isso. Mas o espírito do deboche falou mais alto:

— Na verdade, estou tentando me proteger. Caso algumas dessas casas tenha algum cachorro raivoso que resolva latir enquanto a gente passa. 

Ela me deu um tapa no braço e apertou os lábios. 

— Besta!

— Tá bom, Eva. Eu tô zoando. Você tá certa, é pelo motivo que você disse mesmo. Algum problema? 

— Não. Então, você é bem próximo do seu pai, né?

— Sim. Ele é meu melhor amigo e a pessoa que mais admiro. Eu amo a relação dele com a minha mãe e a forma como trata a família. Quero ser assim, um dia. 

Ela abriu um sorriso sem mostrar os dentes. 

— Gosto disso, sabia?

— Do quê?

— Da relação que você tem com sua família. Eu nunca vi nada igual. Passei a vida querendo algo assim com meus pais, mas só consegui com a vovó. Posso dizer que ela é minha melhor amiga. Me conhece melhor até que eu mesma. 

Dobramos a esquina e passamos por uma padaria vazia. 

— Ofélia é uma ótima avó, Eva. Não é difícil gostar dela. Quanto aos seus pais, acho que com o tempo você vai conseguir ter a relação que deseja com eles. 

— Acho difícil. Você tá sendo otimista demais, Manoel. Eles ignoraram minha existência desde que nasci, nunca se importam com o que acontece comigo. E tenho certeza que eles só se preocuparam em relação a você porque pensaram que pode afetar meus estudos e, consequentemente, afetar o bolso deles. Já que eles pagam minha faculdade.

Estreitei os olhos. Eva não fazia ideia do quanto estava enganada. 

— Olha, eu discordo. Sei que é raro a gente discordar de alguma coisa, o que é ótimo, evita brigas. Mas seus pais têm orgulho de você por estar na faculdade, principalmente porque eles não tiveram essa chance. E eles apostam tanto em você que estão pagando seu curso. É um ato de confiança, Eva. Eles confiam em você. 

Entre o amor e a maçã | Livro 1 [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora