A noite caiu devagar sobre o Catete, como uma cortina pesada cobrindo a cidade. As luzes amareladas dos postes desenhavam sombras longas pelas paredes do apartamento, enquanto o som distante dos ônibus e dos bares ainda abertos se misturava com o silêncio sufocante da casa.
Eu estava sentada na beira da cama, o abajur aceso, lançando uma luz fraca sobre o criado-mudo onde ainda estavam os óculos dele, o relógio, e o livro que ele deixara aberto na última página lida.
Ouvi minha a mãe fechar a porta do quarto de hóspedes e a filha dele ajeitar-se no sofá da sala, onde insistiu em dormir, talvez incapaz de encarar o quarto de visitas, ou de estar sozinha naquela noite.
Mas ali, no quarto que antes dividia com ele, agora só havia eu… e a ausência.
Olhei para o espaço vazio ao lado na cama. Passei a mão devagar sobre o lençol, como se pudesse encontrar ali um resquício de calor, um traço de vida. Não havia nada. Só o frio.
Tentei se deitar, mas o sono não vinha. Ficava encarando o teto, ouvindo o barulho das gotas de chuva fina batendo na persiana, misturado ao tic-tac do relógio de parede.
Cada som, cada objeto, cada cheiro — tudo era ele.
Virei de lado, abracei o travesseiro dele e fechei os olhos, mas logo os abri, tomada por aquela angústia que não permite descanso. O peito apertava, o choro vinha sem pedir licença, mas não como antes — agora era um choro silencioso, que escorria devagar, molhando a fronha sem que ela sequer fizesse um som.
Levantei, caminhei até o armário, abri a porta devagar. As roupas dele ainda estavam ali, penduradas, alinhadas, como se ele fosse, a qualquer momento, vesti-las para sair — talvez para mais uma viagem rápida a Mangaratiba, ou só para ir até a padaria.
Passei a mão pelo paletó que ele mais gostava, sentindo o tecido, e então apoiei a testa ali, fechando os olhos, respirando fundo, tentando absorver cada memória, cada resquício.
Mas nada preenchia o buraco que se abria dentro de mim.
Depois de alguns minutos ali, em pé, exausta, voltei para a cama. Deitei de novo, abraçando o travesseiro dele com força, como quem agarra uma tábua em alto-mar.
E, assim, naquele quarto silencioso, com a respiração pesada, os olhos ainda úmidos, adormeci pela primeira vez sem ele ao lado.
"E entendeu, com toda a dor possível, que todas as noites seguintes seriam assim: silenciosas, incompletas, mas ainda assim, noites que precisariam ser atravessadas."

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✨Hadassa✨
Short Story✨Que o destino traçou Que não me deixa em paz Sou eu sua doença Você minha cura...✨