Os dias seguintes foram tomados por reuniões, assinaturas, ligações e idas ao cartório. A cada nova etapa, eu me sentia como se estivesse desmontando, aos poucos, a vida que Rogério havia construído.
Sentada à mesa do escritório do advogado, eu e a filha dele — a única herdeira legítima — analisavam os documentos que determinavam o destino dos bens.
A relação entre nós duas sempre foi respeitosa, mas havia uma distância inevitável, agora acentuada pela ausência dele. A filha era fruto do primeiro casamento de Rogério, morava fora há anos e, embora gostasse dela, nunca haviam criado um vínculo profundo.
O advogado explicou com clareza:
— Conforme o inventário, metade do patrimônio é destinado à filha, como legítima. A outra metade, ele deixou para a senhora, conforme o testamento.
Eu assenti em silêncio. Sabia que era justo, mas não deixava de doer ver tudo aquilo ser dividido como cifras, imóveis, participações. Eram bens, mas também eram memórias, pedaços concretos da vida que compartilharam.
A filha dele, com os olhos marejados, passou a mão pelos papéis e disse:
Camila: Meu pai era um homem tão organizado… queria garantir que vocês não passassem dificuldades.
olhei para a Camila e sorri com suavidade, apesar do aperto no peito.
Hadassa: Ele sempre foi assim… cuidadoso com quem amava.
O advogado prosseguiu:
— A casa de Mangaratiba está em nome dele, mas há uma cláusula de usufruto vitalício para a senhora.
soltei um suspiro discreto, aliviada. Aquela casa era o nosso refúgio, o lugar onde passavamos os finais de semana, onde riamos, onde ele cozinhava e onde eu guardava os melhores domingos da minha vida.
Hadassa: E quanto à empresa? — pergunto, quase num sussurro.
— A senhora terá direito a parte da sociedade, mas a gestão, segundo o que Rogério deixou estipulado, será passada para o sócio dele.
Eu assenti, sem contestar. Sabia que não teria forças para assumir os negócios, tampouco era do meu mundo.
Ao fim da reunião, o advogado entregou uma pasta a cada uma, com as cópias de tudo. Nós duas se levantamos e por um segundo, ficamos ali, frente a frente, sem saber bem o que dizer.
Foi a filha dele quem quebrou o silêncio:
Camila: Obrigada… por tudo. Por ter cuidado dele. Por ter estado ao lado dele até o fim.
Eu sorri, emocionada, e respondi:
Hadassa: E obrigada… por respeitar tudo isso.
Saímos do escritório e caminhamos juntas até a calçada, onde a cidade seguia seu fluxo, indiferente àquele momento silencioso entre as duas.
Antes de nos despedir, a filha dele me abraçou com força inesperada, como quem precisava desse gesto para fechar, de vez, aquele capítulo doloroso.
Fiquei ali, parada, vendo a Camila se afastar pela calçada, e então olhei para a pasta em minhas mãos, pesada como o mundo.
Respirei fundo, ergui o rosto para o céu claro e pensei: “Agora começa, de verdade, a vida sem ele.”

YOU ARE READING
✨Hadassa✨
Short Story✨Que o destino traçou Que não me deixa em paz Sou eu sua doença Você minha cura...✨