O tempo foi passando, e a rotina se instalou na solidão daquele apartamento no Catete. As plantas na varanda começavam a secar, o sofá já mal tinha o contorno das visitas, e a cozinha permanecia silenciosa, sem o tilintar dos pratos ou o aroma dos almoços que antes Rogério preparava aos domingos.
Eu vivia sozinha, entre livros que já não lia, programas de TV que assistia sem prestar atenção e memórias espalhadas pela casa como fantasmas silenciosos.
A minha mãe, sempre que me visitava, saía com o coração apertado. Percebia o meu olhar perdido, a falta de ânimo para sair, o desinteresse até pelo que antes me dava prazer — os passeios na Praia do Flamengo, as idas ao cinema antigo ali no Largo do Machado, os cafés demorados.
Numa dessas visitas, enquanto passavamos a tarde caladas, tomando chá na pequena mesa da cozinha, minha mãe, com a voz doce, mas firme, resolveu falar:
Leandra: Minha filha… já pensei muito… você não precisa ficar aqui sozinha, nesse apartamento grande, nessa tristeza.
Eu não respondi de imediato, apenas olhei pela janela, vendo ao longe o Cristo Redentor encoberto por nuvens baixas. Minha mãe segurou minha mão, apertou com carinho e continuou:
Leandra: Por que você não vem morar perto de mim e dos seus irmãos? Lá na vila.
Hadassa: Voltar lá pra vila depois de tantos anos? Largar esse apartamento aqui no Catete, mãe?
Leandra: Lá tem o que você precisa minha filha, você tem a gente. Fora as suas lojas que estão lá esperando para ser concluídas, você estava tão ansiosa por essas conquistas.
Hadassa: E essa casa....?
Leandra: — Você não precisa decidir agora. Mas pensa… talvez seja hora de recomeçar em outro lugar. Não pra esquecer… mas pra continuar.
Eu respirei fundo, sentindo as lágrimas descerem devagar, quentes, inevitáveis.
Hadassa: Continuar… — repeti, como quem testa a palavra na boca pela primeira vez.
A minha mãe sorriu, levantou-se e foi até o fogão, repondo água no bule, como sempre fazia, como quem dizia: “A vida segue, minha filha, com ou sem a nossa permissão.”
Fiquei ali, sentada, olhando para a xícara e, pela primeira vez em meses, pensei seriamente na possibilidade de deixar aquele apartamento — de deixar aquele luto estagnado e buscar, quem sabe, uma nova forma de existir, cercada pelo calor simples e caótico da família.
E, no fundo, senti que talvez minha mãe estivesse certa.
Talvez fosse mesmo hora de ir embora.
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✨Hadassa✨
Short Story✨Que o destino traçou Que não me deixa em paz Sou eu sua doença Você minha cura...✨
