47✨

421 63 0
                                        

Henrique narrando.

Acordei cedo, como de costume. O sol já tinha estourado no céu,  a favela já tava viva — molecada jogando bola na laje, dona Maria varrendo a calçada, e o cheiro de café misturado com fumaça subindo das casas.
Sou Henrique, 35 anos, gerente aqui na favela. Não preciso falar muita coisa… quem conhece, respeita. Hoje tá tranquilo, diferente dos corre de ontem. Silêncio bom, daquele que a gente até desconfia, mas aprende a aproveitar.
Desci pro beco, cumprimentei os cria, vi que os radinho tavam no esquema, cada um no seu ponto, atento. A responsa é grande, não posso vacilar. Aqui, num piscar, a paz vira guerra. Mas hoje não… hoje o morro respira.
Encostei na mureta, puxei um cigarro e fiquei só olhando a vista: as casas empilhadas, o céu azul rasgado, e lá embaixo, bem longe, a cidade grande fazendo barulho, como sempre. Aqui em cima, só o som dos passarinhos e das crianças brincando.
Dias assim são raros… e preciosos.
Levantei da mureta, bati a poeira da bermuda e segui pro barraco da contenção. Lá é onde a gente guarda o material, faz as contas, organiza o fluxo.
Passei pelo beco,  dei papo pros parceiros:
— “Firmeza?”
— “Firmeza, chefe.”
O movimento é discreto. Aqui não tem bagunça, não. Cada um sabe sua função, sabe a responsa. O olheiro na laje, o vapor na esquina, o fogueteiro atento a qualquer passo estranho.
Entrei no barraco, conferi o rádio, olhei o estoque. Tudo na medida. O gerente não pode confiar só na palavra, tem que ver com os próprios olhos. Erro aqui custa caro.
Depois fui ali no bar do Zé pegar um café. Ele me serve sem nem perguntar, já sabe.
Zé: “Dia tá bom, hein?” — ele solta.
Henrique : “Por enquanto…” — respondo, com aquele meio sorriso de quem conhece bem o que é paz provisória.
Enquanto tomo o café, vejo a tiazinha atravessando com sacolas, os motoqueiros subindo com gás, o pessoal indo pra igreja. A favela vive, respira, mesmo com tudo que carrega nas costas.
Meu telefone toca. É o parceiro avisando que logo mais vai chegar a carga nova. Tem que preparar o esquema, reforçar a segurança, avisar os pontos.
Respiro fundo. Não tem descanso de verdade nesse corre.
Deixo o copo no balcão, pago, aceno pro Zé e sigo. No caminho, passo pelo campinho onde os moleque tão jogando bola. Me chamam:
— “E aí, Henrique, vai jogar?”
Dou risada:
Henrique : “Deixa pra próxima, tô na correria…”
Eles riem também. Nem imaginam que, anos atrás, eu tava ali, igualzinho a eles, sem saber o que a vida ia cobrar mais pra frente.
Subo de volta, olho pro alto da favela e penso: mais um dia começou. E no morro, cada dia é uma vitória.

✨Hadassa✨Where stories live. Discover now