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Minha mão foi instintivamente até o ventre.
Pela primeira vez, prestei atenção naquele enjoo que eu vinha empurrando com água de coco e pensamento positivo. Na sensibilidade exagerada, nas lágrimas que vinham do nada, no sono que me abraçava do meio-dia até o fim da tarde.
Hadassa: E se for verdade, Jurema... e se for isso mesmo?
Jurema: Então é bênção, minha filha. Daquelas que a gente não pediu, mas precisava. Você veio pra se curar. Mas trouxe um pedacinho do seu futuro junto.
Fiquei em silêncio. Olhei pro céu. Não tinha lua, mas as estrelas pareciam mais perto. Como se estivessem todas olhando pra mim, piscando devagar, como quem confirma.
Depois de um tempo, ela completou:
Jurema: A Bahia te deu abrigo porque sua alma precisava de colo. E esse ser que tá vindo aí… vai te transformar. Vai fazer você entender o que é amor verdadeiro. Porque não é sobre um homem te escolher. É sobre você ser morada de algo divino. Escolhida por algo muito maior.
A areia já tava fria, a fogueira queimava as últimas brasas e o som dos tambores se calava aos poucos, como se a noite estivesse respeitando o momento. Jurema continuava ali do meu lado, serena, com o olhar que atravessava tempo e carne. Era mais que uma mulher, era uma entidade. Uma mensageira. E eu? Só conseguia ficar ali, quieta, tentando absorver o que ela tinha acabado de jogar no meu colo com tanta verdade.
Hadassa: Você me deixou assustada com isso, Jurema… - falei, olhando pro mar escuro.
Ela riu baixinho, ajeitando o turbante.
Jurema: O novo sempre assusta, minha filha. Ainda mais quando ele nasce dentro da gente. Mas susto também é aviso. É o corpo te chamando pra prestar atenção.
Hadassa: Mas… como você sabe?
Jurema: Eu não sei com os olhos. Sei com o peito. Tua energia mudou. Quando você dançou hoje, você não dançou só por você. Você dançou por dois. Quando você sorriu, o mundo sorriu junto. E quando você chorou… a terra sentiu. Tem coisa maior agindo aí.
Fiquei em silêncio. Olhei pra minhas mãos, que estavam tremendo levemente.
Hadassa: Eu não planejei isso, Jurema…
Jurema: Nem tudo que é bênção vem planejado, Hadassa. Às vezes, é no caos que Deus planta a flor. Você veio pra Bahia pra fugir, mas a Bahia te chamou pra florescer.
Hadassa: E se eu não estiver pronta? — perguntei, com a voz embargada.
Jurema pegou minha mão com carinho, como se estivesse segurando algo muito precioso.
Jurema: Ninguém tá pronta antes da hora. A força vem quando precisa vir. Você já enfrentou tanta coisa, menina. Você sobreviveu à dor da perda de um grande homem, se apaixonou por alguém que não era seu. Você criou suas lojas, reconstruiu sua vida, sustentou sua fé no meio da favela, da bala, do silêncio. E agora vem me dizer que não vai dar conta? Você só precisa de Deus e mais nada.
Engoli seco. As lágrimas vieram. Não de medo, mas de aceitação. Porque algo dentro de mim, bem no fundo, sabia. Algo realmente tava mudando.
Hadassa: E se ele não aceitar? Se ele não assumir? Se meu filho não ter pai presente?
Jurema: Que seja. E que ele nunca falte, mas se faltar… que você seja tudo. Porque você pode. Porque você é. Mas não se prenda a isso agora. Primeiro sente, depois acolhe. O tempo vai te contar o resto.
A fogueira estalou. O vento soprou forte, mexendo nos cabelos soltos do meu rosto.
Jurema:  Hadassa... você tem um dom. E tem um caminho. O que está dentro de você vai te empurrar pra frente, não pra trás. Agora é hora de parar de olhar pelo retrovisor. Olha pro horizonte, minha filha. O que vem aí, é lindo demais pra ser negado.
Naquela madrugada, voltei pro hotel em silêncio, mas algo dentro de mim falava alto.
Não era barulho.
Era vida.
E pela primeira vez, não fui dormir pensando em homem nenhum.
Fui dormir pensando em mim.
E no que crescia em silêncio… dentro de mim.

✨Hadassa✨Место, где живут истории. Откройте их для себя