Sexta-feira. O sol já invadia o quarto com força, atravessando as frestas da cortina branca e batendo direto no meu rosto. Acordei devagar, como se meu corpo soubesse que aquele dia não era qualquer um. Era o primeiro dia da nova fase. A primeira consulta.
Me espreguicei na cama, sentindo o peso suave da barriga que já dava o sinal, que já mexia com tudo por dentro. Passei a mão na nuca, tentando respirar fundo. O coração batia mais rápido, mas não de medo. Era uma mistura esquisita de ansiedade e força. Era como se Deus tivesse deixado um bilhete naquela manhã: “Você não está sozinha.”
Levantei. Olhei pro cantinho da Akira e lá estava ela dormindo na sua caminha. fui até o espelho e fiquei me olhando por um tempo. O cabelo preso num coque desfeito, o rosto sem maquiagem, as olheiras denunciando as noites mal dormidas. Mas ainda assim... havia um brilho novo nos olhos. Uma luz tímida, mas teimosa.
Hadassa: Vamos nessa, Dassa... - sussurrei pra si mesma, com um sorriso de canto, ajeitando a camisola antes de sair do quarto.
Na cozinha, o cheiro do café fresco enchia o ambiente. Minha mãe dormiu aqui de ontem pra hoje e já estava de pé, sempre disposta a cuidar da filha, mesmo sem entender muito bem tudo o que estava acontecendo.
Leandra: Dormiu bem? — perguntou me entregando uma xícara com café.
Hadassa: Mais ou menos... mas tô pronta. Hoje é o dia da consulta.
Leandra: Deus vai na frente, minha filha. Vai dar tudo certo.
Tomei o café devagar, sentada à mesa, sentindo o calor da bebida aquecer mais que o corpo — aquecer o espírito. Do lado de fora, o barulho da favela já acordada entrava pela janela: crianças correndo, o som de uma furadeira na casa do vizinho, um louvor de fundo vindo da rua de baixo. A vida seguia, intensa, e eu agora carregava outra vida dentro de si.
Já arrumada, calça jeans de cintura baixa, blusinha justa que deixava uma leve curva aparecer, peguei a chave do carro. A consulta era em Botafogo, e eu mesma ia dirigindo, ia sozinha.
Antes de sair, parei no portão. Respirei fundo.
Foi quando ouvi alguém chamar meu nome atrás. E era ele.
Henrique: Hadassa...
virei. Henrique, em cima de uma moto, com expressão séria. Olhar fixo em mim e depois na barriga.
Henrique: ta indo já?
Hadassa: Uhum! - eu tive que dar meu número pra ele né. Todo dia ele manda mensagem perguntando se tá tudo bem e se eu tô precisando de alguma coisa. Esses dias Kaio veio aqui entregar vários legumes e frutas, e também três mil Reais. Agradeci Henrique por mensagem e falei que não precisava do dinheiro. Ele disse mesmo eu sendo rica e não precisando, ele vai fazer sua parte. Respondi a ele que só ele sendo presente, tá de bom tamanho. Peguei esses três mil e abri uma poupança pra minha bebê que nem ao mundo veio ainda.
Henrique: Queria poder ir com você, é foda... Mas me liga pô, seria possível? Uma chamada de vídeo pra eu ouvir o coração e tal. - ele falava todo sem jeito.
Hadassa: Tá, tá bom! Vou ligar sim, pode ficar tranquilo.
Henrique: Será que vai dar pra ver o sexo logo hoje?
Hadassa: Eu nem sei, na verdade nem sei quantos meses eu tô. Eu faço nem ideia.
Henrique: Se você tá desde a época daquela vez da mangueira, você deve te com uns cinco meses.
Hadassa: Não... Ta doido? Será, Henrique? Aín, acho que não. Esse tempo todo sem sentir quase nada direito?
Henrique: Vamos ver isso hoje. Será que é o que, em?
Hadassa: É menina.
Henrique: E como você pode ter certeza? Caralho, faz isso comigo não. Pai de menina? Aí meu coração aguenta não. - até dei uma risada com a forma que ele falou.
Hadassa: Então já vai se preparando, papai... Tô indo nessa, se não vou acabar me atrasando. Tenha um bom dia aí.
Henrique: Vão com Deus e esquece de me ligar não. - assenti e entrei no carro. Eu ia saindo e ele me chamou:
Henrique: Dassa? - encarei ele.- você tá linda!
Hadassa: Aff! Tchau, Henrique. - sai arrancando com o carro. sentia o vento quente da manhã bater no rosto. No fundo, sentia um friozinho na barriga. Mas não era só medo — era vida. Uma nova vida começando.
....
Dentro da sala, a médica foi simpática, e expliquei rapidamente a situação.
Doutora: Pode deixar o pai do bebê na chamada. O importante é que vocês estejam conectados com esse momento. - ele já estava na chamada de vídeo
Deitei na maca, levantei a blusa e o aparelho gelado tocou na minha barriga. mordi o lábio inferior, enquanto os olhos buscavam a tela do celular.
O som do coração do bebê preencheu o ambiente. Rápido, forte. Como tambor batendo no meu peito.
Henrique: Caraca… — ele soltou, quase num sussurro. — É... real mesmo.
olhei pra tela. Ele estava com os olhos marejados, disfarçando com um sorriso torto.

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✨Hadassa✨
Short Story✨Que o destino traçou Que não me deixa em paz Sou eu sua doença Você minha cura...✨