**Capítulo 1**

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São Paulo, dia 1° de Agosto, de 2001.
8 hrs da manhã.

Sinistro •

Aqui estou mais um dia, com o olhar sanguinário do vigia.

O cara me olhava com uma cara sinistra mermo. Tava ligado que por ele, eu e os outros irmãos já estavamos mortos.

Ignorei aquele comédia, e acendi outro cigarro, me encostando perto da janela. O metrô outra vez passava, e várias pessoas desciam na estação, e alguns até paravam pra ficar observando curiosos pra cá.

Daqui do pavilhão 9 na Casa de Detenção, mas conhecida por Carandiru, dava pra ver uma parte da estação do metrô.

Toda hora passava um cheio de gente indo pro centro ou voltando de lá. Eu só ficava vendo tudo, pensando em como eu vou sair daqui, ou se vou sair.

Depois do massacre que teve aqui em 92, é melhor tu sempre ficar esperto, por que a qualquer hora pode acontecer uma rebelião, e a Tropa de Choque entrar novamente, e matar muito mais presos do que na última vez.

Foi tenso pô. Graças a Deus e da Virgem Maria eu não tava aqui nessa época, se não poderia tá morto agora.

Cai aqui na casa de detenção faz um ano só. Peguei 20, falta mais 19 anos, três meses e alguns dias pra sair daqui.

19 anos na cara, e trancado nessa porra. Tô levando 157 por roubou, 121 por dois homicídios, 155 por furto, 158 por extorsão, e 171 por estelionato.

Só de 121 peguei 12 anos. Matei um cara com 16 anos num furto, e acabei indo pra Febem. Sai com 18 e depois de uns meses matei uma mulher, que não queria passar a porra da corrente. Fui preso em flagrante, e como minha ficha já tava sujona, me mandaram pra cá.

Divido a cela com uma pá de cara. Estelionatários, traficantes, homicidas e mais uma pá de moleque primário.

Tem nem cama direito nessa porra aqui. Tem uma beliche, com os colchões quase mais duro que o chão, e é uns manos mais antigo que dormem nelas. Eu e o resto dos caras dorme sentados no chão frio.

O ruim mermo é quando tá aquele frio da desgraça, que tu não consegue nem dormir pô, fica tremendo pior que vara verde.

É tenso as paradas aqui, carai. Além da gente passar frio, nós ainda é obrigado a comer comida azeda, se não nós passa fome e acaba morrendo aqui nesse caralho.

Vários outros presos já morreram de fome, ou com pneumonia. E uns caras pra caralho já se matou também.

Semana passada um cara aqui da cela aonde fico se matou enforcado com o lençol da cama. Acordei com o cara pendurado na minha frente, pô. Foi sinistro mesmo.

Se não fosse pela minha coroa que está lá fora me esperando eu já tinha me matado, por que aqui os bagulhos é de verdade mesmo, pesado pra caralho.

GH: Hoje o banho de sol vai ser mais tarde. - parou ao meu lado, pegando nas grades. - Vai jogar um fut hoje?

Sinistro: Sei não, truta, tô com as costas toda doendo nessa porra. - fiz careta, e joguei a bituca de cigarro pra fora.

GH: Marcão deixou eu dormi na cama dele noite passada, mas é a mesma coisa que dormir no chão, até pior, tu sente as madeiras tudo. Fode com as costas.

Sinistro: É foda, pô. - suspirei, me virando e olhando pro vigia que andava pelo corretor, batendo nas grades com o cacetetes, achando que tá assustando os caras.

GH: Tive visita do meu advogado ontem. Vou sair semana que vem, carai.

Sinistro: Ih pô, tá de migué? - cruzei os braços, olhando pra ele, que negou com a cabeça? - Caraio véi, só progresso pra tu lá fora.

Nós fez um toque, e não demorou muito o guardinha vir abrir a cela pra nós ter o banho de sol.

Os presos das outras celas foram saindo também, com os policiais as vezes batendo com a arma nas pernas.

Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK. Metralhadora alemã ou de Israel, estraçalha ladrão que nem papel.

Se tu der brecha acaba levando um tiro, mesmo sem fazer nada grave, e depois te jogam na vala, falando que tu se matou.

É pô, aqui tu tem que ser esperto, se não, os caras faz tua coroa chorar vendo o seu caixão descendo pra cova.

Diário de um DetentoOnde histórias criam vida. Descubra agora