**Capítulo 11**

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São Paulo, dia 18 de fevereiro, de 2016.
23 hrs da noite.

Peguei um cigarro no maço, e fui pra grade fumar. Os caras já estavam tudo deitados nas camas deles, alguns já dormiam, e eu tava ali sem sono algum. Peguei o isqueiro do Magrão no meu bolso e acendi meu cigarro, dando uma tragada cabulosa.

Ali da onde eu estava, dava pra ver alguns pavilhões daqui de Tremembé, mas tinha um que era estranhão, sei lá pô, nunca via preso nenhum ali, só as quartas feiras ia uns polícias lá. De madrugada eu ouvia alguns gritos abafados, e já tinha na minha cabeça que lá era aonde os caras torturavam os manos daqui.

Era cabuloso pô. Lá ia os caras que vacilavam feio aqui dentro, por isso eu sempre ficava na minha, caladão, sem arrumar briga atoa pra não ir pra lá, por que eu sei que as paradas lá é pesadona.

Magrão já foi pra lá uma vez depois de ter quase matado um cara daqui do presídio, o menor voltou todo fodido. Ele falou altas paradas, que eu fiquei cabuloso e aí mesmo que fico longe de briga.

Sempre que tem uns manos brigando, eu me afasto ao máximo, pra não pensarem que eu tô envolvido e me levarem pra lá também.

Eu acho isso mó paia, o cara já tá aqui dentro preso, passando altos perrengues e esses filhos da puta parece que quer foder mais ainda a vida dos manos. Por que não deixa a "justiça" que eles tanto dizem que fazem, na mão de Deus?

Não, eles preferem fazer essa porra com as próprias mãos, machucando os caras. Eles acham o que? Que com essa porra eles vão mudar alguma coisa em nós? Vão nada pô, só vão deixar os caras com mais ódio ainda dá cara deles.

Eu tô ligado que tem muito policial honesto aqui dentro, que tenta aí máximo fazer tudo pelo certo, mas o que adianta sendo que a maioria é filho da puta?

Eu nem falo ou questiono alguma coisa, não vai mudar nada mesmo.

Aqui dentro desse presídio, ou você segue tudo o que os caras falam pra tu, ou você acaba morto, com a desculpa que você mesmo se matou.

Os caras de cima, lá fodões das facções que caíram aqui, deixam regras pra todo preso que entra, e se não cumprirem, tu acaba morto também.

Lealdade é o que todo preso tenta, conseguir a paz, de forma violenta...

Magrão: Ih putão, vai dormir não?

Sinistro: Tô com sono não, pô. Deixa eu fumar meu cigarro em paz aqui, na moral. - murmurei, e ele fez careta.

Magrão: Não. - se encostou ao meu lado, acendendo um cigarro também. - Pô, vou te falar um bagulho aqui, tô ligado que essa semana tu tem outra consulta com a loirona lá, mano...o bagulho que eu te falo...

Sinistro: Não quero saber não, pô. Aquela lá não vai aguentar muito tempo aqui dentro não. Menina tem mó cara de patricinha, que nasceu e cresceu no ouro, e tu acha que ela aguenta ficar aqui nessa porra?

Ele deu de ombros, e tragou o cigarro, soltando a fumaça pra cima logo em seguida.

Eu tava ligado que a tal da Jade não duraria muito aqui não, logo ela cairia na real que aqui não é lugar pra ela e iria cair fora.

******

Ai gente, ontem fez 28 anos do massacre que teve no Carandiru, aonde deu início a nossa história aqui. Cara, antes de eu começar esse livro e tudo, eu pesquisei sobre o que aconteceu, e é um negócio tão horrível, que eu sinceramente não sei como o ser humano tem coragem de fazer certas coisas.
Foram 111 presos mortos naquele dia, e eu sei que todos que morreram naquele dia eram criminosos, que estavam ali pra pagar tudo o que fizeram nesse mundo, mas mesmo assim, foi horrível. Os causadores desse massacre não pensaram nem um pouquinho na família daqueles homens quando estavam atirando nós caras lá dentro.
Enfim, só falei isso tudo pra "lembrar" como que é a justiça aqui no Brasil, por que até hoje, depois de 28 ANOS, ninguém ainda foi responsabilizado pelo o que aconteceu no dia 2 de Outubro, de 1992.

Diário de um DetentoWhere stories live. Discover now