**Capítulo 5**

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São Paulo, dia 11 de Agosto de 2001.
9 horas da noite.

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Tic tac, ainda é nove e quarenta, o relógio da cadeia anda em câmera lenta.

Peguei a quentinha que os guardas estavam distribuindo, e me sentei no chão, me encostando na parede.

Abri aquela porra e vi o arroz com feijão, e dois ovos fritos. Cheirei, e por milagre a comida não estava cheirando a azeda. Mexi com o garfo, pra ver se tinha algo ali, e nada.

Estranhei pra porra aquilo, pô. Tô aqui a um ano e pouco e sempre deram comida azeda. Ala, tem algum bagulho errado nessa porra.

Sinistro: Será que tem veneno nessa desgraça aqui? - olhei para os manos, que estavam do mesmo jeito que eu.

GH: Sei não. Também tô estranhando isso ae. - fez careta. - Ai mano, foda se, vou comer essa porra, tô com fome.

Ele encheu a colher com a comida, e meteu na boca. Fiquei encarando ele, esperando alguma parada estranha, mas ele só fez sinal pra nós, falando que tava de boa.

Suspirei baixo, e comecei a comer. A comida tava normal, sem gosto algum, mas dava pra comer na boa.

Quando terminei, deixei o pratinho ali no canto, e fui pra grade que dava pro lado de fora, pra fumar.

Desde menor sempre ouvi uns manos falando que o cigarro, de tabaco mermo, relaxa pá carai, mas nunca botei fé, e se quer coloquei um cigarro na boca.

Mas com 14 anos, arranjei uma treta enorme na escola, e porra mermão, aquele dia sim fiquei estressadão, e fui provar o cigarro.

E não é que os filhos da puta estavam certos?! Aquela porra me relaxou maneiro, e desde aquele dia eu não parei mais de fumar. Todo dia eu tenho que acender um cigarrinho pra ficar de boa e não arranjar quiaca aqui dentro.

GH: Ai pô. - parou ao meu lado. - Depois de amanhã já saio daqui.

Olhei pra cara dele, e não vi nenhuma expressão de felicidade ali. Nenhuma mermo.

Sinistro: Qual foi, pô? Tá feliz não?

GH: Sei lá, pô. Tô sentindo uma parada estranhona, tá ligado? Alguma merda vai acontecer...

Sinistro: Ih ala, fica suave, truta. Vai dar tudo certo e depois de amanhã tu sai daqui.

Ele balançou a cabeça, e tirou algo do bolso. Era um papel todo dobrado. GH ficou olhando pra aquela parada, e logo estendeu pra mim.

Sinistro: Que isso?

GH: Se algum bagulho acontecer comigo, entrega essa carta pra minha filha quando tu sair daqui? - me olhou, e eu neguei na hora.

Sinistro: Tá tirando, GH? Para de nóia, caralho. Tu vai sair daqui porra.

GH: Na moral Sinistro, tu entrega?

Antes que eu pudesse responder, um guardinha bateu ali na porta da cela com o cacetete, e fez sinal, apontando pro GH.

Ele suspirou alto, e me olhou. Peguei aquela carta da mão dele, e enfiei no bolso. GH saiu dali de cabeça baixa, e eu fui pra gradinha da porta, assim que o guarda trancou.

Os filhos da puta deram uma cacetada nas pernas do GH, e ele caiu com tudo no chão. Os caras saíram arrastando ele, e eu só fiquei ali.

Peguei a carta do meu bolso, e li o que estava escrito numa parte do papel.

Do papai, para minha princesinha.

Ih pô, engoli em seco na hora, e fiquei calado na minha, apenas olhando pro papel.

Acerto de contas tinha quase todos os dias, mas nunca de noite assim. Eles só levavam de noite quando iam pegar pesado mermo.

Caralho irmão, na merma hora eu já fiquei cabreiro e as paradas veio com tudo na mente.

GH já tava meio que ligado que essa parada ia rolar, mas não tinha certeza que sairia vivo daquela porra, por isso fez essa carta pra filha.

Marcão: Vocês já sabem o que vai rolar com ele, né?

Fechei meus olhos, e balancei a cabeça concordando.

É pô, hoje foi a vez dele. A "cobrança" veio.

Diário de um DetentoWhere stories live. Discover now