CORUJAS

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Com a garrafa de Jack que trouxemos no alforje e mais algumas latas de cerveja, subimos em um dos rochedos em Santa Monica. Sinceramente, eu achei que não sairia viva de lá. Estávamos bêbados, tínhamos droga de sobra para metade do público do Troubadour e por mais que não sentíssemos nada, estávamos exaustos.

Mas a cocaína tem esse efeito esquisito: você pode correr uma maratona, que ainda vai estar tão pilhado que vai dar meia-volta na linha de chegada e voltar para o ponto de partida. Porque você tá pilhado, e porque você pode. Ou pensa que pode.

A gente pensou que podia subir mais e mais além nos rochedos só porque estávamos pilhados. Mas isso é sair do ponto da história.

— Bem...nada como um descanso à beira-mar depois de uma longa noite de...trabalho?

Ela riu enquanto dava um gole de Jack.

— Pois é...dia duro no escritório. A gente mata um leão por dia!

Eu concordei, brindamos... e ficou aquele silêncio estranho.

— Pensei que você ficava falante quando frita.

— E eu fico! Só que o efeito começou a baixar. A escalada deve ter metabolizado a porcaria toda.

— Faz muito tempo que você usa?

— Bem...se você estiver falando de cigarros, comecei com uns...9 ou 10 anos. Aos 12 meu pai me deu o primeiro gole de uísque.

— E a coca?

— Uns 3 anos. E você?

— Igual. Acho. Não sei, perdi a conta.

— Faz sentido...quem faz aniversário de viciado, afinal?

— Espera que tem uma coisa nova aí: quer dizer que a badass da Sunset Strip foi uma fofurinha do papai?

— Mais ou menos isso...basicamente: minha mãe queria uma menina, meu pai era doido por um menino. Músicos, não é? Ele queria um menino para ele ensinar a tocar...sei lá, uma espécie de Família Dó-Ré-Mi. Bem, aí eu nasci e meu pai ficou desapontado. Mas aí quando eu cresci e aprendi a tocar guitarra com meu pai, foi a vez da minha mãe ficar desapontada comigo. Bem-sucedida, decepcionei os dois, um de cada vez. E você?

— Hm-hm. Nenhuma família. Só uma mãe maluca que me jogava para a casa dos meus avós sempre que arrumava um namorado novo.

— Eram muitos namorados novos?

— Muitos. Devia ter uma porta giratória na... esquece. —  Doida ou não, você está na companhia de uma dama, caralho! E eu não sei porque pensei isso e calei a boca.. ela não só não esqueceu quanto fez questão de gargalhar bem alto para não ficar dúvidas que tinha entendido muito bem. Quando paramos de rir, ela pegou uma lata de cerveja e acendeu um cigarro.— E foi assim...foi muita insanidade, dependia do namorado que ela arrumava, me mandava para a casa dos meus avôs, Nona e Tom, era só um trailer minúsculo num terreno em Wisconsin. Depois de um tempo, ela voltava e vinha me levava de volta para casa, mas nunca era a mesma casa...Wyoming, Mexico, Seatlle...se o namorado que ela estivesse não se entendesse comigo, eu era despachado para os meus avós de novo. Mas foda-se eu gosto deles. Até hoje.

— E como você acabou pousando aqui?

— Tem um irmão da Nona, minha avó, que mora aqui. Fiquei na casa dele um tempo, mas não deu certo. Peguei um emprego lavando louça num restaurante em Rodeo Drive, depois numa loja de instrumentos e...é isso. — Estava começando a cansar contar essa história, mas parecia que ela estava bem entediada em escutá-la também... — Não foi uma infância ruim, mas podia ter sido pior.

STARRY EYESWhere stories live. Discover now