STARRY EYES

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Acordei perturbado com uma série de pesadelos, alguns com minha mãe, outro, via meu pai morto e ele passava por mim como um fantasma. Em outro, até hoje não sei se era um sonho ou revisitando o momento mais sinistro que já tive: quando me vi morto na ambulância.

Ela estava em pé, fumando um cigarro e olhando pela janela, tão pensativa que não percebeu que eu estava acordado.

— Eu posso ter um desse também, ou é parte do tratamento, Doutora? — eu não estava tão interessado em fumar, na verdade. Era a melhor desculpa que achei para chamar a atenção dela.

Por que simplesmente não a chamei? Vocês já sabem: eu sou um babaca.

Ela esfregava as lágrimas do rosto antes de virar para minha direção. Pegou o maço e me trouxe um cigarro.

— Você está bem? — perguntei assim que acendi o cigarro.

— Acho que é esse o tipo de pergunta que você tem que responder ao invés de fazer.

Olhei para a janela enquanto ela se sentava ao meu lado de novo. Esfregou embaixo dos olhos, tentou sorrir sem ser convincente e piscou um olho enquanto se sentava e segurava minha mão— Eu vou ficar bem. Sempre fico, né...

(Não, mas disfarça bem)

— Quanto tempo eu dormi agora?

— Umas três ou quatro horas. Não faz muito tempo que anoiteceu.

— Que bom...pensei que tinha virado mais um dia apagado...

Ela segurava a minha mão e entrelaçava os dedos dos meus, mas podia perceber que ela não estava totalmente ali, com os pensamentos a quilômetros de distância.

— O que foi?

Ela olhou de relance para mim e abaixou os olhos de novo.

— Olha...não quero brigar nem que você brigue comigo...preciso mesmo que você mantenha em mente que é para ajudar, tá bom?

Eu apenas balancei a cabeça e continuei olhando para ela, mesmo que ela me evitasse.

— Eu liguei para o Phil e o Doug há umas duas horas. O Phil queria vir te buscar e te levar para a clínica amanhã mesmo, mas convenci ele que eu consigo te manter aqui por mais uns dias, apenas para virar a semana.

— Eu já falei que não preciso dessa merda, Mave...porra, já estou tão melhor...

— Você está melhor porque está fechado aqui! E quando você voltar lá fora? E quando o Dazzle entrar no estúdio de novo, ou em turnê? Você não pode ficar fechado aqui, Sparky...

— E se eu não quiser mais saber de banda? E quiser ficar aqui? Eu, você, uns quatro cachorros e uma TV?

— Sparky...você sabe tão bem quanto eu que é mentira. Não é o que você quer.

— Não é o que você quer.

— O que você sabe disso? O que eu quero ou não quero? O que eu não quero é ser sua babá 24 horas por dia por medo, porque o que eu quero menos ainda é voltar a assistir você tentando se matar todo dia...

— Ninguém te obrigou a vir aqui nem ficar de "babá", se for demais pra você, a porta continua no mesmo lugar de sempre...

Silêncio. Ela olhava de novo para baixo, colocou a mão sobre a minha e deu dois tapinhas.
— Certo...
Mandou bem, Sparky...parabéns.

Ela se levantou tão rápido e passou pela porta que eu pensei comigo: "isso aí. Mais uma vez você mordeu a mão que estava te levantando. Animal estúpido!". Ainda estava um pouco fraco, mas consegui me levantar, talvez por causa da raiva que sentia de mim mesmo.

De novo eu estava afastando alguém que só queria me ajudar. Por que eu sempre fazia esse tipo de merda?

Fiquei na janela esperando ver o Maverick vermelho subindo a rua, provavelmente levando a minha última chance embora. Bem, talvez eu tivesse demorado demais e ela já tivesse ido embora.

Peguei uma caneta e um papel, me deitei de novo na cama e pensei em alguns versos soltos. Tentava me lembrar quando foi a última vez que vi ela rir de verdade, daquele jeito que fazia aquela única covinha na bochecha esquerda. Que os olhos dela brilhavam de um jeito só dela...mas a única imagem que ia e voltava na minha mente era de quando ela teve aquela over, e eu surtei pensando que ela ia morrer. Parece que tínhamos trocado de lugar.. "Acorda, Mavie...volta, volta pra mim". Pensava também no jeito que ela me abraçava quando transamos naquele hotel na turnê com o Ozzy. A informação que eu pedi no começo pra guardar, lembra? Foi também a primeira vez que a gente saiu na porrada, acho que porque naquela época,não sabíamos demonstrar o quanto nos importamos um com o outro sem abrir mão do orgulho.

O que saiu foi isso:

When she laughs, she's got the power of a child in her eyes

Quando ela ri, ela tem o poder de uma criança em seus olhos

But when you cry, now, she'll hold you like a man's supposed to be held

Mas quando você chorar, ela te abraçará exatamente como um homem devia ser abraçado

I can't get into words how I feel

Não consigo colocar em palavras como me sinto

Get this right in this song, now, now, now

Faça isso direito nessa canção, agora, agora, agora

I had to set her free, needed a friend

Precisei deixá-la ir, precisava de uma amiga

Come back to me

Volte para mim

Starry eyes, oh,oh...

Olhos estrelados, oh,oh

Standing alone in the night

Esperando sozinho na noite

You could see her cry

Podia vê-la chorar

With a smile and a wink

e com uma piscada, um sorriso

And the spark in her eye,

e com o brilho em seus olhos

she calmly sighed "I will be alright"

ela suspira tranquilamente "eu vou ficar bem"

Ok, child, you had to take the pain

Ok, minha querida, você precisava tomar as dores

Of a man in the streets

de um homem na rua

You had to let me in, needed a friend

Devia ter me deixado entrar, precisava de uma amiga

Even just for one night

mesmo que só por uma noite

Starry eyes, oh,oh

Olhos estrelados, oh,oh...

Parece bom... — estava mesmo falando sozinho. — Se ainda existir Dazzle para eu voltar, quem sabe?

Dobrei o papel, coloquei em cima da mesa de cabeceira e arranquei outra página. Tinha uma carta póstuma para escrever, quem sabe enviar na próxima vez que fosse "viajar".

STARRY EYESWhere stories live. Discover now