O COVIL

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Para quem pilotava aquele monstro de moto e tinha um contrato recém-assinado, estava meio confusa quando entrei no apartamento. Na verdade, aceitei o convite por curiosidade, queria ver onde ele se escondia do sol, apesar da história sobre minha maquiagem (e algumas roupas às vezes) desaparecerem não fosse nenhuma mentira.

Não imaginava uma mansão em Malibu, claro, mas imaginava algum lugar mais...estável.

Nisso que dá esquecer que haviam sempre drogas e álcool envolvidos.

— Puta merda... — lembro que foi a única coisa que disse além de um assobio de espanto que estava contido desde quando subimos a escada lateral e entramos pela janela. O apartamento consistia em uma saletinha minúscula, um sofá onde a gordura do T-Bone estava bem espalhada, uma cozinha escondida atrás de caixas de pizza, garrafas vazias e todo tipo de talher e louça sujas. — Qual o problema com portas?

— Portas? Emperrada há um ano ou mais. E quem precisa de portas com uma janela desse tamanho?

— E ele...seu...marido?

— Economizo uns trocados dividindo o lugar e tenho alguém 24 horas cuidando da casa. É um bom negócio.

— Não é o que parece... — comentei baixinho enquanto desviava de uma barata com as patas enroscadas no carpete. — Essa porra vai voar e não falta muito!

Ele parecia bem acostumado com as visitantes rastejantes, porque sem sequer olhar direito para ela, pegou o isqueiro no bolso e uma lata de laquê em cima da mesa suja de resquícios de cocaína, e um jato de laquê virou uma labareda em cima da cascuda quando atravessou a chama do isqueiro.

— Essa, pelo menos não voa mais. Primeiro as damas... — ele disse apontando para o corredor minúsculo. Dava de frente para o banheiro e o quarto era a porta ao lado.

Quer dizer...uma toalha pendurada que servia de porta. Mas pelo menos tinha uma persiana grossa na janela e o colchão estava apoiado sobre pilhas e mais pilhas de livros velhos.

As baratas deviam adorar o quarto quando estava vazio! Insano!

Ele acendeu algumas velas que tinha perto da cama. Ele deve ter percebido o quanto fiquei ressabiada porque logo explicou:

— Enquanto não receber o cheque do contrato, só podemos contar com as velas. Acabamos cheirando todo o último cachê, e o T-Bone...bem...Se quiser deitar, pode ficar à vontade. Apesar do escuro, aqui não tem insetos, garanto.

Estava tão exausta que mesmo que tivessem ratos escondidos debaixo do travesseiro, não daria a mínima. O cheiro e poeira e mofo misturado com cinzeiro velho também não me incomodava. Acho que estava cansada demais para me importar com qualquer coisa. Ele parecia um pouco nervoso, o que não fazia sentido pra mim. Pensei que talvez fosse a tensão de ter uma garota no quarto e ela estar "fora de alcance" (tinha uma reputação a zelar e ainda não sabia até onde ele era confiável). Só depois que eu entendi, ele estava procurando algo para cheirarmos um pouco mais antes de deitar...

STARRY EYESWhere stories live. Discover now