PONTO DE CONVERGÊNCIA

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O Tony e eu éramos bem próximos há um bom tempo e eu sabia que ele não faria a estupidez de trazer drogas com ele, nem álcool. Enquanto eles conversavam sobre a banda e sei lá o que mais, fui para o quarto. Precisava de outro banho e vestir alguma roupa de verdade. Uma coisa é ficar andando de camiseta e sem calcinha na casa do seu ex-ex-ex-ex-namorado. Outra coisa é receber o amigo dele sendo fodida por trás debruçada no balcão da cozinha. Os gemidos e gritos? Digamos que foi um bônus. Melhor que oferecer café ou um copo d'água, não?

À medida que o Sparky estava melhorando, ele lia bastante enquanto estava no quarto. Havia deixado alguns dos livros dele na gaveta onde ele escondia drogas e funcionou bem. Enquanto ele estava na sala com o Tony, juntei alguns livros que estavam abertos em cima da cama e algumas folhas de papel soltas, quando encontrei uma folha de caderno escrito "Para Deanna, para fingir que deixou um filho de verdade no lado de cá."

Não era o tipo de coisa que a gente lê e pensa "ah, que se foda". Principalmente depois de tudo que tinha acontecido. Lembrei quando estava internada na clínica que sempre diziam que viciados abrem mão do direito à privacidade. O que fazia sentido. Afinal, eu queria ajudar ele ou não?

Era uma carta que ele escreveu para a mãe, que já estava morta há algum tempo; mais que a minha. Eram coisas horríveis, não no sentido de serem palavras ofensivas, mas eram palavras doloridas. 

Bem...Olá, mamãe...será que é uma boa forma de começar? Afinal, para onde estou escrevendo? Para onde será que você foi....se é que foi para algum lugar, ou apenas desapareceu no ar de novo?

Que se foda...se você estivesse aqui, sequer iria se incomodar em abrir esse pedaço de papel. Só pensei que poderia ser um bom..."filho", ou algo do tipo.

Mas talvez seja melhor manter a real - afinal, alguém precisa ser real entre nós, já que nunca teve muito mais do que desdém um pelo outro...sabemos quem é o "um" e quem é o "outro", não é?

Diabos...não consigo me imaginar de conversa furada. Não mais, não há muito tempo, nem a essa altura. O seu desdém nunca foi nenhuma surpresa, você deixou bem claro quando me abandonou pela primeira vez, tantos anos atrás. Direto ao ponto, então: Será que alguma vez no seu tempo em vica você chegou a lembrar que eu existia depois que me deixou na casa da vovó Nona? Será que depois que você se mandava eu alguma vez continuei nos seus pensamentos? Uma vez você me deixou lá e eu chorava enquanto via o seu carro virar a esquina...você chorava também? Deveria.

Por que uma coisa você devia saber àquela altura: eu amava você, caralho. Mesmo sem ter a menor idéia de quem diabos era você, afinal. E quem era você? Será que eu quero mesmo saber. ou era tão escrota que é melhor eu te ver assim, como a mãe que me abandonava?

Tenho essa lembrança ainda bem nítida na memória. Mas tento me perdoar por sentir sua falta, me perdoo por passar a noite acordado imaginando que você tinha me deixado lá para me comprar presentes e aparecer cheia de sorrisos e pacotes na manhã seguinte que nunca chegava. Era a inocência de uma criança, por isso me perdoo...mas não perdôo você: quantos anos a inocência de uma criança era apenas um obstáculo entre você e os seus namorados? Você tem ideia do quanto parece patética? E como eu virei um cara patético por sua causa?

Eu esperava por algum telefonema seu que nunca chegava; esperava que você estava planejando me buscar e me levar para algum lugar diferente, mágico, onde seria feliz para sempre. Esperava que você um dia chegasse de braços abertos e dizer que me amava, que sentiu minha falta, qualquer coisa do tipo. Pensava que era questão de tempo até você vir e me resgatar. Realmente pensava que você me amava, mas estava errado...eu tentava criar uma bolha de ilusão onde você era uma mãe, não...você.

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