IMBECIL HONORIS CAUSA

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Viciado é sinônimo de completo imbecil. Eu sabia disso, mas ignorava. Ela sabia disso, mas sabia usar a seu favor. Uma coisa que eu saquei foi que quando a Mavie estava por perto, eu conseguia distinguir o glam do ridículo. E era hora de esfregar na minha própria fuça o quanto eu estava sendo ridículo, pensando que estava sendo sublime.

Só sei que tem uma área cinzenta entre essa última frase que ela me disse antes de eu mandar aquele teco e quando acordei.

Não estava morto, não estava com dores pelo corpo, só a minha cabeça estava girando, e eu podia ver as cortinas pesadas de brocados da janela à direita passando uma luz avermelhada. Aos poucos conseguia distinguir: se aquela luz estava passando, estava de dia. Alguém havia puxado a parte mais grossa da cortina para alguma luz entrar. Eu sabia que não fui eu. Não haviam garrafas de suco de limão na cama, ou no chão, até onde podia ver.

Os lençóis estavam limpos. A porta do quarto, aberta. Ruídos...aos poucos escutava ruídos vindo da porta. Antes de tentar identificá-los, percebi que não estava me sentindo nervoso; pouco tempo antes, qualquer mínimo ruído e eu ligava para a empresa da segurança da casa e me escondia com uma .45 dentro do closet.

O que caralhos está acontecendo?. Esse negócio de ficar totalmente alheio a o que está acontecendo ao meu redor me deixava puto. Queria me levantar e ver o que estava acontecendo, mas não suportava meu próprio peso. Tentei me apoiar nos cotovelos para me levantar um pouco da cama, mas era como tentar levantar uma bigorna com o polegar. Desabei de costas de volta na cama. Devo ter entrado em um estado semi acordado por algum tempo de novo, mas senti um peso do meu lado. Ela estava sentada na beirada da cama de novo, mas sem aquela expressão triste de antes.

— Bem vindo de volta... — ela estava com a mão no meu peito, talvez como carinho, mas era mais provável que estivesse apenas conferindo se meu coração ainda batia. — Foi bom poder sair do quarto um pouco sem ficar me perguntando se era seguro deixar você sozinho por cinco segundos.

— Há quanto tempo eu tô aqui?

— Na cama? Quase três dias.

Três dias? Não fazia sentido, como eu entupi as veias de heroína, mandei um teco e apaguei três dias? Pior, como o meu organismo se comportou esses três dias? Eu levantei o lençol e estava tudo limpo. Não tinha me cagado, não tinha nenhuma mancha ou cheiro de vômito, nem um mínimo cheiro de álcool.

— Não esquenta, eu cuidei disso também. Você meio que acordou algumas poucas vezes, e eu aproveitei para trocar os lençóis, roupas, essas coisas...

— Você ficou limpando a minha merda?

— O que eu posso dizer? — ela estava com um risinho conformado e encolheu os ombros — Pelo visto, é o meu karma ficar limpando as suas merdas, em geral. De qualquer forma, não é como se eu nunca tivesse visto suas partes íntimas.

— Mas não assim...sem eu ver as suas também...

Eu só consegui colocar as duas mãos no rosto e respirar fundo tentando pensar num jeito de me livrar de todo o constrangimento. Durante três dias, eu estive num apaga-acorda-apaga insano, e mesmo inconsciente, estava fazendo ela infeliz de novo, como uma babá-faxineira-enfermeira? Eu era mesmo um bosta. Mas alguma coisa estava mais diferente ainda: eu não sentia a menor vontade de trincar de novo. Não que não pensasse nisso, só não sentia vontade alguma.

— De qualquer maneira, melhor você ficar deitado mais um tempo. Não consegui fazer você comer nada além de uma sopa aguada esses dias. Não chegou nem a meia tigela.

— Eu não tô sentindo nada...nenhuma dor...

— Ah, sim...bem, eu... — ela parecia uma menina tentando contar que escondeu o cachorrinho da família na bagagem — Se você ficasse acordado, as câimbras iriam enlouquecer você, além do enjôo, da diarréia...então quando você me pediu um teco, eu... esmaguei um comprimido de Paquipax e dei pra você cheirar.

STARRY EYESWhere stories live. Discover now