QUEDA

103 9 196
                                    

(""Crazy" - Girlschool)

Sabe quando você toma um porre e de repente algo acontece que a lucidez volta como uma explosão na cabeça?

Foi algo assim. Em um momento a minha cabeça girava e parecia que pop rocks estavam estourando por todo o corpo. No outro, eu percebia que estava montada em cima dele, estávamos pelados e ele ainda me segurava como uma criança com um ursinho. Era insano, era surreal, improvável como um raio cair duas vezes no mesmo lugar, mas aconteceu. Aos poucos meu sangue esfriava e eu começava a sentir algumas dores pelo corpo, e começava a mapear mentalmente onde ficariam os hematomas novos.

Pensava também se eu tinha deixado algum hematoma nele também.

Enquanto isso, ele se deitava de volta na minha cama sem me soltar. De volta para onde tudo começou: deitada no peito dele e ambos doloridos.

A impressão que tenho é que nesses anos mais intensos, sempre teve algum tipo de dor envolvida quando se tratava de mim e do Sparky.

— Devo ter um milhão de motivos para pedir desculpas, Mave.

Eu me levantei do peito dele, acendi uma vela dentro de um pote vermelho que eu sempre levava para todo lugar. Deixava uma luz avermelhada quase imperceptível, e peguei na gaveta um maço novo de cigarros.

— Devo ter algo próximo disso também, — eu acendia dois cigarros de uma vez só e entreguei um para ele — digamos que...estamos quites?

Ele estava de novo com aquele sorriso mais raro, quase infantil. Acho que levou anos até que esse sorriso fosse mais frequente do que aquele outro sorriso, cheio de maldade.

— Bom...eu realmente pisei na bola aquela vez no Rainbow...

— Agora já passou. Estou com a alma lavada...fiquei esperando dois anos até ter uma chance de socar a sua cara...você pode voltar aqui, sua vaca arisca? — eu nunca vou esquecer essa frase. Escrito assim, soa ofensivo, mas não era essa a ideia; o problema é que eu não consigo conversar com alguém sem olhar diretamente para a pessoa. Logo, ele começou a falar e eu me levantei do peito dele e acabei puxada pela nuca de volta para onde estava; e tentando me acostumar a ouvi-lo sem olhar diretamente em seus olhos. Ele ainda estava com o mesmo sorriso e falava com a voz baixa, quase rouca.

Ficamos um bom tempo assim, deitados, em silêncio, com ele passando as pontas dos dedos subindo e descendo pelo meu ombro.
— Você amava ela? — precisei de muita coragem pra sufocar o meu orgulho e perguntar.

— Hm? Quem? Ah...não sei, acho que não. Só estava...me divertindo. Sendo o mesmo porco de sempre. Há quanto tempo você quer perguntar isso?

— Dois anos.

— Eu tenho que esperar dois anos para fazer a minha pergunta também?

Como é?

Eu devia mandar ele esperar sim, os tais dois anos. Mas estava curiosa, mesmo com suspeitas sobre quem era a pergunta. Então, soltei um "hmhm" e balancei a cabeça confirmando enquanto enrolava meus dedos numa mecha do cabelo dele.

— Michael Monroe. Sério? O que você estava pensando?

— Não estava pensando. O que eu posso dizer? Só estava me divertindo, a mesma porca de sempre.

— Ouvh...essa doeu...

— Acredite em mim, eu sei que doeu. A ideia era essa mesmo...

Ele se virou de lado para bater a cinza no cinzeiro na mesinha ao meu lado.

— Qual é a dessa vela?

— Quando tocamos em Wisconsin, a minha mãe veio. Foi presente dela e desde então sempre acendo quando estou na estrada. Alguma coisa para fazer parecer um lar.

STARRY EYESWhere stories live. Discover now