RECAÍDA

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"Vício: Quando você consegue largar alguma coisa a qualquer momento, desde que seja na terça-feira que vem" (Dr. "Lemuel Pillmeister "- "Diários da Heroína")

Levaram dois dias para conseguir convencer a Vanity que eu estava bem. Queria voltar para a minha casa, escrever umas boas verdades e achar um jeito de colocar isso tudo em uns riffs de guitarra, só isso. Ela me deu meia cartela do sonífero de elefante, que agora chamávamos de "Paquipax"...pra capotar paquidermes, sacou?

Eu queria ficar fechada em casa até o sangue esfriar e nunca, nunca mais, absolutamente nada de Sparky. Já estava cheia daquilo tudo. O Tony me disse uma vez que o Phil, produtor deles, estava lá com ele e que ele estava sem droga nenhuma todos esses dias. Eu só disse um "legal, bom pra ele", sem acreditar em sequer uma letra dessa história. Sabia como ele era. Bastaria o Phil se distrair cinco segundos e ele já estaria trincado de novo. Para qualquer outra coisa da vida, ele era péssimo. Mas quando se tratava de dar um pico escondido, ninguém mentia melhor que ele.

Terceiro dia depois de toda aquela insanidade, estava finalmente em casa, com umas cervejas e um caderno. Devo ter passado e repassado toda a discografia do Aerosmith umas 10 vezes, não escutei mais nada o dia todo. O Tony me mandou uma cópia das masters do disco novo da Dazzle, mas deixei jogado no armário da sala. Simplesmente não queria nada que tivesse qualquer relação com o Sparky, mas pelo visto, eu estava andando em círculos tentando sair do inferno.

Quase meia-noite o meu telefone começou a tocar. Eu estava pronta para engolir um Paquipax e ferrar no sono. Não sei como é com vocês, mas parece que quando é alguma coisa importante o telefone toca mais alto, parece que a vibração chega pela linha telefônica. Já perceberam também?

— Mave, pelo amor de deus...não me xinga!

— O que foi, Raz... — mentalmente eu já estava xingando.

— Estamos ligando para o Spark desde ontem e ninguém responde. A secretária eletrônica está cheia, não...

— DE NOVO? Manda a polícia na casa dele, arrombem a porta, sei lá!

— Depois de tudo que aconteceu? E se...?

— O que eu vou poder fazer, porra? Eu não sou a mãe dele, se virem vocês...

Desliguei na cara dele e fiquei ali, sentada na beirada da cama. Fiquei olhando para o comprimido na minha mão.

Tudo que tinha acontecido até então causara um estrago significativo, mesmo que eu não tivesse ainda uma perspectiva total da extensão dos danos. Questionava até onde estava indo meu "papel de fria". A ideia nunca foi me tornar uma pessoa fria que deixava o outro morrer daquele jeito. Mas por outro lado, meus princípios não me largavam, talvez porque era ele, talvez porque eu tinha acumulado uma carga pesada demais tanto de mágoa quanto de culpa. Criava quebra-cabeças mentais com tudo que já havíamos feito tanto contra quanto por querer bem um ao outro.  A única certeza que eu tive foi que ele estava certo: não importava o quanto eu me vestisse com uma armadura, nem o quão grossa ela fosse: ele sempre achava um jeito de rachá-la. 

Era uma escolha difícil: me manter fria e sóbria ou colocar a minha sanidade inteira em risco, porque não aguentaria ouvir de novo que ele estava morto? E a pergunta mais irritante do mundo: por que foi sobrar justo pra mim?

MORTO DE NOVO

Well, you found me, but I don't know Why you wanna save me...
Well, God is great and God is good
But God didn't help me when he could
And life dances so lonely by.
 This is just a courtesy call
This is just a matter of policy
This is just an act of kindness
To let you know that your time is up

STARRY EYESWhere stories live. Discover now