TOCAYA

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Então, eu estava lá, esperando na frente do Tocaya

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Então, eu estava lá, esperando na frente do Tocaya. Não sabia quem era a tal amiga do Jack e da Emi. Só sabia que o nome dela era Piper e que ela estaria com um vestido vermelho e um casaquinho branco. Porra, quais são as chances de eu esperar a mulher errada e levar para uma mesa?

— E como eu vou saber quem é ela se aparecer outra com vestido vermelho e casaco branco?

— Ah, você vai saber. Não se preocupa com isso.

A Emi é ótima, bem, hoje em dia eu a considero assim, mas ainda estava tenso com essa resposta que não me respondia nada. O meu celular vibrou e eu atendi. Era o Jack.

— E aí? Já achou?

— Até agora nada. Tem certeza que ela v...?

— ... ela deve estar chegando. Me agradeça depois. Não seja um cuzão.

Ele desligou na minha cara e eu estava guardando o celular no bolso quando olhei para o estacionamento. Tinha um carro entrando e a motorista ignorou o vallet para estacionar sozinha.

Um Maverick.

Vinho.

Com a capota preta.

Por um momento eu pensei que podia ser a Mavie...mas porra, há tantos anos...nah, provavelmente ela já se livrou daquele lixo de carro...devia estar coberto de ferrugem num ferro-velho qualquer. "Onde será que ela anda, afinal? Faz tanto tempo!". Uma mulher desceu do carro, com vestido vermelho e um casaquinho branco amarrado na cintura e botas de caubói. Era bonita, mas ainda estava longe e eu não tinha certeza que seria o tal "encontro às cegas". Quando ela vinha na minha direção, parou um momento e riu, revirando os olhos, e voltou a caminhar. Ela tinha o cabelo preto na altura dos ombros, uma maquiagem forte nos olhos, o pescoço e os dois braços tatuados. Parece que o Jack acertou pelo menos uma vez na vida.

Quando ela estava uns dois metros de distância, parou com os braços cruzados, me examinando dos pés à cabeça e um sorriso que eu estava reconhecendo.

— Ora, ora...se não é o "Deixa-Disso". — puta que o pariu! Em algum lugar esquecido nas profundezas do meu cérebro, eu conhecia aquele vestido vermelho. Não lembro da Mavie usando, mas infelizmente, eu lembro do Ozzy na beira da piscina com ele.

Entretanto, me lembrava de uma peça que não encaixava.

— Mavie...?

Ela estava com o cabelo solto, penteado e tinha um óculos de grau pendurado no decote do vestido. Eu? Calça jeans rasgada, uma camisa preta e tinha acabado de vestir uma bela cara de babaca.

— Você envelheceu bem... — ela disse enquanto segurava a nuca, tão constrangida quanto eu. — Acho que é um elogio e tanto, hoje em dia.

— Você também. — Starry Eyes. Ainda tinha os mesmos olhos azuis e ainda tinha aquele brilho. — O vestido...fica bem melhor em você, afinal. É o mesmo?

— Acho que o Oz deu uma laceada no tecido, pra ser sincera...Quanto tempo faz? Depois de dez...quinze...vinte anos?

— Quem está contando?

Acenei para ela entrar no restaurante. Fizemos nossos pedidos e pedimos a conta. Era costume de estrada: a gente sempre precisa parar pra comer tão rápido que já faz o pedido e a conta para não perder tempo. Mas foi engraçado; o garçom ficou um pouco confuso.

"Não seja um cuzão"

A melhor forma de não ser um cuzão àquela altura era não falar nada pra não falar merda nenhuma . Ela estava bem concentrada devorando uma tigela de chilli mesmo...

"Que se foda"

— Bem... — eu parecia um menino sem ter a menor ideia do que estava fazendo. — Faz um bom tempo, não é? Pelo que eu soube, você casou, tem um filho...

— O Patrick...meu filho. Sete anos. Aqui... — ela me mostrou no celular uma foto do garoto, impressionante, os mesmos olhos. — Pelo que eu sei, você também tem a sua família agora, não é?

— Já estou separado...

— Eu estava falando de filhos...

— Ah sim...a North tem nove anos e a Frankie tem dez . E você, está separada...namorando...

— Viúva, na verdade. Ele faleceu dois anos depois que o Patrick nasceu.

— Sinto muito...pelo amor de Deus, não era outro vocalista afeminado de cabelo amarelo, era? Na verdade eu pensei em mais uma piada idiota sobre ela ser viúva duas vezes - mesmo que a primeira vez tenha sido só por dois minutos, mas... "não seja um cuzão".

— Bem...ele não era vocalista... — ela piscou com um risinho. Os pratos já estavam praticamente limpos. Hábitos de estrada.

Depois que terminamos de comer, ficamos ainda algumas horas conversando. Não sobre o que fazíamos, relembrando histórias, nada disso. Ela tinha uma produtora e um estúdio. A Venomous teve um período de hiato que ela não quis explicar, mas estava reunida há alguns anos. Ainda gravando, ainda em turnês e ainda eram foda. Fora da Venomous, ela tinha a sua vida tranquila em uma casinha em Santa Monica, perto dos píer. Estava feliz, parecia em paz. E eu...não estava acreditando que era a Mavie...Piper.

Não ia me acostumar a chamar ela de Piper àquela altura...

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Acho que de todas as caras e bocas que já vi dele, aquela expressão embasbacada, de susto e talvez até um certo terror foi a mais engraçada de todas, mesmo que eu tenha plena consciência que a minha cara não devia estar muito diferente.

Do meu lado, a Emi e eu sempre conversávamos. Tínhamos conversas longas e interessantes, ela é uma católica devota e eu continuei pelo budismo até hoje. Temos sempre muito assunto para conversar. Já fazia um bom tempo que ela insistia que eu precisava voltar a sair, mas...eu não tinha disposição. Depois que o pai do Patrick morreu, eu tive que reinventar mais uma vez toda a minha vida. Acho que pensava comigo que tive companhia demais na vida, e queria apenas ficar sozinha de verdade por um tempo.

Mas não demorou muito para a solidão começar a incomodar. E a Emi sabia disso. Não sei se foi na mesma época que o Sparky falou com o Jack, talvez tenha sido um pouco depois. Mas assim como ele não sabia, eu também não sabia. Quando desci do meu carro, desconfiei que era ele e me senti uma imbecil por não ter imaginado que o Jack e a Emi fariam algo assim. Parei e fiquei olhando de longe e pensando "e agora?". Tinha caído numa bela armadilha. Pensei em voltar pro meu carro e dar o fora dali, mas..."não seja uma cagona, porra!", a voz do Jack ficou ecoando. Mais uns passos, só pra ter certeza.

Yup. É isso mesmo. É o Sparky mesmo, em peçonha.

Quer saber, que se foda. Estava divertido ver a confusão estampada na cara dele, mesmo... então, podia me divertir um pouco com isso. Além do mais, estava mesmo com fome e precisava de um tempo fora de casa.

A escolha do vestido? Adivinha quem estava fazendo questão de escolher o que eu ia vestir? A mesma Emi que ia ficar com o Patrick para eu sair.

Depois que saímos do restaurante, deixei o meu carro no estacionamento e fomos caminhar. Acabamos no píer, e conversamos por horas, como fizemos naquela última vez, antes de ele ir para a clínica.

STARRY EYESWhere stories live. Discover now