CHOQUE TÓXICO

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("Guilty As Sin" - Girlschool)

Sabe qual era o problema? As coisas não mudaram muito naqueles anos, final das contas: ainda nos encontrávamos por aí. Algumas vezes fomos parar na mesma cama; algumas transando, outras dopados demais pra fazer qualquer coisa. Outras, apenas como velhos amigos. Éramos capazes de passar uma hora ou mais num banheiro de camarim sem sequer tocar um no outro, a não ser quando estava difícil injetar, coisas do tipo.

Antigamente, eu competia com os homens depois dos shows, quem bebia mais sem cair e adorava ouvir um cara falando "chega, não dá mais pra mim". O Sparky era um páreo duro, e para piorar mais ainda a situação, não competia contra ele com bebida, mas com heroína. Esse era o pior problema.

Mas, voltando à festa: lógico que ele foi. Já fazia tanto tempo que não o via, mas não era o que eu esperava: ele devia pesar uns 38 quilos. Estava um palito, a pele num adorável tom amarelo-acinzentado e na maior parte do tempo em que estava tocando, ele passava de um lado pro outro com o maxilar tenso, algumas vezes com o Tony, outras sozinho.

Eu não estava ligando tanto: o Bret não gostava muito de drogas e eu tentava me controlar, dava um tempo de dois, três dias entre um pico de outro.

Não sei dizer se fazia muito ou pouco tempo que estávamos saindo. Talvez uma semana, ou até alguns meses, mas era muito difícil eu ter a mínima noção de tempo. O importante era que nos dávamos bem e era um relacionamento tranquilo, acho que isso me bastava na época. Ele nunca me levantava a voz e eu nunca precisei gritar com ele. Por um tempo.

Naquela noite aconteceu o seguinte: tínhamos uma mesa enorme e o Phil tinha feito uma surpresinha: uma mesa mais perto do palco estava servida com uma carreira gigante de cocaína, coisa de um metro, talvez dois. E é claro que não durou mais que um minuto para virar uma competição. Eu ia lá, cheirava uma parte e mediam o quanto eu mandei. De novo, competindo com os amigos e convidados. A Cherry ainda tentou participar da brincadeira, mas estava pegando pesado demais até para ela. Será possível que alguém entre nós não fosse um perfeito imbecil?

O Bret não gostou muito da brincadeira, claro, e isso virou uma discussão, e nessa discussão, ele me virou as costas e foi embora, com certeza ele vai falar disso depois. E foi então que ele veio me cumprimentar, finalmente. Até então, o Sparky era uma sombra que aparecia num canto e desaparecia pra reaparecer em outro, mas enfim...ele não era o único que fazia isso.

— Pelo visto, você tem mesmo um tipo definido, né? Parabéns pela sua loirinha...

Estava feliz e chapada demais para começar a detonar o bar rolando na porrada, então só o abracei. E foi...assustador. Sentia todos os ossos dele como se ele não tivesse nenhum músculo no corpo, apenas a pele sobre os ossos.

— Você está...horrível. Santo deus, que porra aconteceu com você?

— É uma dieta nova... — ele caçoou. — Acho que devia primeiro dar o parabéns pelo disco novo, mas...uau...não imaginava que você rompeu os votos de santidade...

— Eu nunca fiz votos de santidade, Spark...talvez de discrição. Você devia tentar...

— Hey...nem vem...pelo menos eu dou meu pico lá atras, no camarim...não coloquei uma mesa cheia de coca no meio do lugar. — ele puxou a minha orelha e a boca dele esticou num risinho meio involuntário. — Você não tem jeito, né...

— Tá, vou fingir que acredito que é pra ser discreto...e que não é porque você não quer dividir a sua droga com ninguém.

— Só tem uma pessoa aqui que eu não me importo em dividir.

Lá estava aquele riso sabichão de sempre, com o diabo nos olhos de novo. Me encarou pelos dois segundos mais longos da noite, o riso foi desvanecendo e ele se virou para se afastar.

— A gente se vê por aí, Mav.

— Você tem aí, ou já picou tudo?

— Você sabe onde tem mais... vamos? — Ele estava com as mãos no bolso da jaqueta, então apontou o cotovelo na minha direção. E eu aceitei o convite no mesmo segundo, segurando o braço dele.

— Essa festa já perdeu a graça. 

O olhar cheio de reprovação da Vanity não passou despercebido. Mas quem se importava? Eu não. Afinal, ele tinha heroína, tinha muita e era bem melhor que o lixo persa que eu conseguia por aí.

 Afinal, ele tinha heroína, tinha muita e era bem melhor que o lixo persa que eu conseguia por aí

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Pois é...e mesmo assim, preciso deixar claro: a vida já não era tão boa. Por mais que tentássemos convencer a nós mesmos que o errado era sempre o certo a fazer ...

Hey man, get out of my face
I deal with my problems at my own pace
With your screwed-down, anti-human views
Deal with the pressures by playing the blues
If you wanna live life on your own terms
You gotta be willing to crash and burn

Primal scream and shout
Tear that circuit down

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