Presente e abandono

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Até que uma noite a minha cabeça começou a me torturar de novo. Trincado de cocaína, não estava alucinando desta vez, mas estava...destruído. Meu corpo inteiro doía, meu estômago não aceitava nem um copo d'água. Não conseguia mais respirar, meu peito pesava uma tonelada, não sentia meu coração no peito, mas latejando na minha cabeça, um nó ardia na minha garganta e comecei a chorar. Sentia minha alma se rasgando em pedacinhos, tinha certeza que ia morrer. Pensava em todos que me abandonaram antes mesmo de eu saber quem eu era, eu abandonava todo mundo antes que eles me abandonassem, tentava ser um monstro para não sentir de novo...

Minha mãe foi embora, mas esta noite ela volta. Ela foi comprar presentes pra mim, é uma surpresa, tenho certeza. Mas ela não voltou naquela noite. Nem na manhã seguinte, no meu aniversário de 8 anos.

A lembrança me arrastou como uma correnteza. De alguma forma, eu não acreditava que merecia qualquer coisa boa. Minha única amiga que me fazia sentir algo parecido com amor era a heroína. Ela não queria ouvir minhas histórias, ela não ia embora. Ela sempre estava lá, era só chamar. Nem precisava procurar muito.

"Talvez seja hora de me curar". Mas curar do quê? Não sabia nem que eu era gente e já sabia que não merecia o amor de ninguém. Quer dizer, se até a sua mãe se recusa, é porque você não merece de ninguém, certo?

Amanheceu e eu acordei sem perceber que tinha dormido. Mesmo trincado, eu estava ferrando no sono várias vezes, do nada. Dormia cada vez mais, quando estava acordado, ficava sobrecarregado de angústia, como se meus nervos acordassem comigo e se esticavam até o ponto máximo de tensão para então desligar todo o sistema de novo.

Não queria morrer, mas sentia que estava morrendo de qualquer forma. Não sentia minha alma, não tinha nada a perder. Era como querer pular de um telhado, mas não estava pronto para bater no chão. Um belo destino para um rockstar despedaçado: encontrado morto, estágio avançado de decomposição, praticamente irreconhecível.

"Five Years Dead", Alex Irving.

Em alguma turnê da Venomous ano passado, ela sabia que eu coleciono livros antigos e me trouxe esse. Por que a gente se espancava e se presenteava assim? Ela vai embora, mas quando eu menos espero, ela volta com algum presente.

Ela não vai voltar dessa vez.

Caí de joelhos no chão com o peso da minha consciência, do abandono, da culpa, da solidão, de tudo. Estava tão apavorado, meu organismo todo desarrumado e a minha cabeça em um turbilhão de vozes que discutiam entre si que eu comecei a rezar, do jeito que eu podia. Só queria que algo me fizesse parar, e como nada funcionava, talvez Deus me escutasse.

A sensação estar completamente sob a guarda dos próprios demônios é sufocante, mas depois que você está preso em um buraco desse tamanho, começa a chamá-lo de lar. Capotei de novo. Tinha uma mensagem na minha secretária eletrônica, era do Steven Tyler, e ele estava perguntando se eu estava bem. Não é estranho o seu ídolo de infância se importar com você mais do que seu pai fez na vida inteira?

Não conseguia acreditar que meu ídolo fez tão pouco para significar o mundo inteiro para mim. Não conseguia acreditar que meus nervos me dominavam com mais força que as drogas. Não conseguia acreditar que eu tinha fodido toda a minha vida de novo.

Não conseguia acreditar que cheguei ao ponto de cair no chão e rezar.

De novo aquele monstro começou a me devorar por dentro, mesmo que a minha voz não saísse direito pela garganta, pedi para o Tony vir até em casa.

Deixei versos que pensei que eram aleatórios no meu diário.
"Todo mundo tem seus altos, todo mundo tem seus baixos

Todo mundo tem suas feridas, todo mundo acaba se vendendo.

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