SEGUNDA SEMANA, PARTE 3- DE HOMENS E IDIOTAS

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Com o alívio daquele esquisitão estar longe de todos nós, parecia que uma nuvem negra tinha sido soprada para bem longe.

Para comemorar, conseguimos mais drogas e disparamos para o quarto mais uma vez. Acho que ninguém mais falava nada porque não havíamos feito praticamente mais nada além de nos trancarmos no quarto antes e depois de tocar. Mesmo com toda a droga que tínhamos, ela disse que não queria se fechar e se entupir de drogas, que queria ficar bêbada o máximo que pudesse, e foi o que eu fiz. Obedeci a patroa, e esvaziamos alguns tubos de Jack Daniel's e um tipo esquisito de aguardente que era cortesia do hotel....bem, acho que depois que serviram para nós, deixou de ser. Disseram que agora custa um dólar a dose e é controlada com ficha. Moderno...

— quer saber? Chega... — ela resmungou. Já estávamos pelados e sem brincadeira- não sobrou um lençol limpo naquele quarto. — preciso mesmo de um tiro.

Fiquei deitado lá vendo aquela cena paradisíaca: ela pelada com um disco e uma montanha de neve.

— Sabe... — precisava daquele teco tanto quanto ela — foi bastante lisonjeiro da sua parte deixar eu dar um coça naquele vagabundo. Mas fiquei um pouco desapontado...ou o Razzle é o seu saco de pancada particular, coisa assim?

— Eu congelei mesmo né...a primeira golada num tubo de Jack é sempre a mais gostosa... Bem...hora da verdade. Mas pra começar é melhor eu dar um pico antes, porque se eu vou começar a contar histórias, quero esquecer tudo logo em seguida.

— Eu sou bom nisso...esquecer histórias e pico.

— Você quer saber por que eu congelei quando vi aquele figura? Lá vai: deu flashback.

Eu estava tão preocupado em colocar logo uma dose na veia dela e partir para a minha que só esperei ela continuar. E ela continuou.

— Lembra que eu falei de família normal, meu pai e etc? Então...não podia ser tão normal. Nenhuma família é, inteira ou não. A primeira cerveja eu bebi aos 12 anos. No ano seguinte, o Albert me levava com ele para ver jam sessions num clubezinho de blues no centro, ele adorava blues, me ensinou tudo que eu sei sobre Big Thornton, Bessie Smith, Albert King, Koko Taylor, Robert Johnson...é só chutar o nome de qualquer um da história do blues, que eu sei pelo menos nome de disco e as músicas. Até o Peter Hossel eu conheci num desses passeios com o meu pai. Ele comprava bebidas para que eu experimentasse, era pra tomar porre mesmo. Bebia e fumava baseado a noite toda, porque parecia legal e nem precisava pensar se era seguro ou não.

— Nunca baixou meganha?

ela riu como se eu estivesse falando o maior absurdo que já ouviu.

— A maioria que frequentava lá era meganha. Não guardinhas, essas merdas...delegados, advogados, diretores, só o alto escalão! A minha mãe detestava, ficava puta quando ele fazia isso, mas ele insistia que era melhor eu conhecer debaixo da asa dele do que sozinha nas ruas. Eu era nova, e fazia sentido, então...

— Então o quê? — ela estava recostando no colchão, os olhos baixos e tinha atiçado a minha curiosidade mais que a heroína...bem, não mais, mas estava perto.

— Então ele bebia, fumava e esquecia que eu estava lá, eu esquecia dele e foda-se. Então era fácil um delegado velho, com o fígado inchado e pedófilo me dopar mais um pouco...perdi a virgindade na lixeira atrás do bar, e nunca sequer pensava no que estava acontecendo...aquela idiotice de "uh, agora eu sou adulta também". E foi isso. Depois de um tempo, ficava normal e quando um velho desses me comprava uísque e dava um baseado, eu só pensava "oh, certo, é isso, de novo?".

— E quando seu pai...

—... Ele morreu sem saber. Sei lá, ele também era homem, né? Acho que alguma vez ele deve ter desconfiado, mas o negócio é que: ele confiava nos amigos dele, e acho que não teria coragem de enfrentar um diretor da polícia do condado. Ele morreu, e eu nunca contei nada.

Isso é doentio até pra mim! Não tinha como evitar um silêncio carregado de tensão e desconforto.

— E é por isso que eu travei quando vi aquele homenzinho esquisito... — ela cortou o silêncio. — É um tipo que eu conheço de perto....por dentro, até...

— Isso não tem graça, Mav...

— Não, não tem. Mas é melhor extrair algum humor disso, pra não pirar. Quer mais?

— Não, chega...já ouvi demais...

— Tô falando disso... — ela apontou para o disco cheio de cocaína ao meu lado.

— Já que estamos falando disso...qual foi a história do guitarrista que te deixou...famosa?

— O Pilson? ...uma peça e tanto esse cara. Foi um ano bem...intenso, com ele. Dá essa merda aqui, não aprendeu a dividir não?

— A história é aquela mesma que eu ouvi?

— Que eu dei um pau nele no Whiky? É verdade. Perdemos a casa. E ele nem sequer era da banda. Começou com um teste que fiz para a banda dele, mas eles disseram que se eu cantasse ou tocasse a guitarra, tudo bem. Mas uma mulher na bateria, ninguém ia perceber. Aí por algum motivo, ele se aproximou mais de mim, e eu tinha acabado de achar uma brecha pra entrar na cena...então, quando ele me chamou pra morar com ele, estava deslumbrada. Finalmente um cara não estava só querendo me embebedar e me foder. Ele começou a ficar cada vez pior. Tinha ciúmes de tudo e de todos. A Vanity me chamou para tocar com ela, e ele estava sempre no meio, controlava o quanto eu bebia, com quem eu falava.

— O que ele fazia, afinal? — era muito rodeio pro meu gosto.

— Dá um tempo, que eu odeio contar essa merda...versão curta: ele tinha ciúmes de tudo e de todos. E a culpada sempre era eu, e aí a porrada comia solta. No Whisky, foi isso: ele subiu para tocar com a gente e "marcar território", um cara subiu e colocou uma garrafa de uísque do meu lado na bateria. só que eu virei para agradecer o cara bem na hora que o Pilson tinha se virado para mim enquanto tocava. Eu sabia que ele ia descer o braço de novo no camarim depois disso, comecei a ficar nervosa e chutei a bateria pra fora do caminho e resolvi que daquela vez não. Foi isso. Ele ainda toca lá com o W.A.S.P. se já não tiver um contrato também. A gente foi expulsa do Whisky. Aquelas diferenças que eu falo do rock'n roll pra vocês e para nós. Não importa quantas vezes ele...o problema foi eu revidar uma vez.

— Perfeito... — era a única coisa que eu conseguia dizer enquanto mandava mais um teco. Estava escutando ela contar essa insanidade e aspirando a coca como se fossem cigarros, um atrás do outro. — Agora vou ter que espancar outro babaca quando aparecer na minha frente...

— Depois disso, eu virei a encrenqueira, badass, "uhhh toma cuidado com ela" e merdas do tipo. E tudo bem, porque aí começaram a me deixar em paz...Bem, até vocês aparecerem, pentelhos de merda... — ela disse enquanto jogava o canudo na minha cara.

— Acho que eu teria raiva de homem.

— Quem disse que eu não tenho? Confio até no diabo, mas em vocês...

— Só falei uma vez com o meu pai e ele disse que não tinha filho nenhum. Não é a mesma merda, mas...

— Quer o mais engraçado? Ele morreu no meu lugar.

— Como assim?

Mas ela só mandou mais um teco e subiu em cima de mim, e nunca mais falamos disso, como combinado. 

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