ONZE DE DEZEMBRO

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O aniversário da Maeve é logo depois do Halloween, era fácil lembrar por causa das noites no Troubadour. Peguei pelo menos duas festas de aniversário dela lá, e era praticamente o verdadeiro Halloween, por que tinha todos os demônios e espíritos ruins aglomerados! Mais um ano e ela poderia acabar esvaziando toda a Sunset. Era desse jeito. Depois de alguns anos, eu me perguntava como deveria ser: um feliz aniversário, chapar à vontade com todos os amigos e nenhum sexo.

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(...e nesse aniversário da Mave na casa do Tony, o bolo foi escolhido cuidadosamente pela Cherry. Cada um tem sua forma particular de demonstrar carinho, afinal...)

Sério. Por um lado, ficava curioso, por outro...parecia incompleto na época! Depois que eu a estava conhecendo mais de perto, comecei a entender melhor. Mas até então, me perguntava às vezes se ela era algum tipo bizarro de celibatária, ou uma ingênua que acreditava em se guardar para o casamento tocando na Sunset, imagina só...

Daquela vez, o aniversário dela foi na casa do Tony, ideia dele. Eu queria que fosse na minha nova mansão recém-inaugurada, mas...bem, eles estavam cada vez mais amigos, o que eu achava do caralho. As outras namoradas costumavam olhar feio entre si, ou enchiam o saco da gente e acabávamos separados e virava um alvo de ressentimento. Pergunta pra namorada do Jack. Tinha que amar muito o cara para aguentar todas as vezes que "derrubei" alguma bebida nela sem querer.

Quanto ao meu aniversário, era uma situação diferente. Ela deve ter percebido porque a vontade que eu sentia era de tirar a minha pele como uma roupa apertada demais e sair de dentro de mim mesmo. Não tinha muito o que fazer; não queria receber visitas, não queria ninguém na minha casa nem ir para lugar nenhum. Durante a tarde, enquanto ela estava fora, o Tony veio. Ficamos tocando e enquanto ele cheirava, eu picava antes e depois de cheirar. Depois de um tempo ficou esquisito e eu comecei a inventar que precisava ir ao banheiro e picava fechado lá dentro.

Foi a primeira merda: quando a Mave chegou na minha casa e estava começando a pirar e começava a achar que o Tony no final das contas estava lá apenas para me dopar o suficiente para me levar para uma clínica. Quando ela chegou, pra mim estava confirmado que era uma intervenção.

Assim que ouvi ela conversando com o Tony, saí do banheiro, disparei até o meu quarto e peguei um .38. Só para deixar uma mensagem bem clara: que eu sabia o que eles estavam tramando e que eu não ia cair nessa.

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Então, eu estava sentada na mesinha de centro, de frente para o Tony mostrando alguns discos raros e livros que eu sabia que o Sparky iria gostar. Claro que tinha zombie dust envolvido. Eu tinha acabado de mandar um quando ele apareceu na sala como um demônio enfurecido e a primeira coisa que eu vi foi a arma na mão dele.

O Tony estava pálido como um cadáver.

— Vocês acham que são espertos, seus filhos de uma puta?

— Spark...o que você está fazendo?

— Belo presente de aniversário, não é? Vocês dois! Dois traidores!

Ele gritou com tanta raiva que estava até cuspindo. Eu não queria olhar para o Tony naquela hora, porque sabia que ele entender tudo errado, que tínhamos algum olhar de cumplicidade ou coisa do tipo.

Por que a paranóia era só dele! Eu e o Tony pensamos que ele estava com ciúmes. ou pior: que a paranóia dele naquela hora era que estávamos fazendo algo no sofá dele. Era a conclusão mais óbvia, mais simples e logo, a primeira que tivemos.

— Spark, vamos conversar, abaixa essa arma, cara... — acho que, em retrospecto, essa não foi a melhor escolha de palavras.

— Seu filho de uma puta mentiroso! Dá o fora daqui! VOCÊS NÃO VÃO ME TIRAR DAQUI! SÓ SAIO DAQUI MORTO! VOCÊ ME OUVIU, SUA VAGABUNDA? SÓ MORTO!

Eu juro que queria saber definir a minha própria expressão, porque eu só sei que não entendia nada.

— Ninguém quer você fora daqui, por favor, abaixa isso!

— NÃO CHEGA PERTO DE MIM! PODE AVISAR QUE NÃO SAIO VIVO DAQUI!

Ele ameaçava colocar a arma na boca, e eu juro por deus que ele não estava brincando...o clique da trava de segurança parecia um estalo no meu ouvido e o dedo estava no gatilho, pronto para disparar.

Posso dizer que o Tony é um gato? Não nesse sentido. Ele teve um reflexo de gato que eu nunca conseguiria fazer igual. Ele levantou do sofá com tanto cuidado que não percebi que ele tinha saído. Antes que eu conseguisse pensar em algo que eu pudesse falar apenas para ele ter que responder, e assim, tirar a arma da boca, vi o Tony atrás dele, como uma sombra.

— Spark, não faz isso!

— Cala a bo... — e BAM! Eu me joguei no chão na mesma hora, a arma disparou mas o Tony tinha dado um murro na mão dele e ela disparou entortando para a parede. Mais uma vez, deixei ele lá com a neurose dele e vim embora. Os presentes ficaram lá com um cartão de aniversário que eu ia assinar na hora, mas ficou em branco.

Era o primeiro aniversário dele como viciado oficialmente; e por muito tempo, nenhum foi muito melhor. Ele só me contou dessa alucinação dele muitos anos depois. E quer saber? Na época, não teria sido má ideia.

Dizem que Deus dá sinais quando estamos entrando em uma gelada. Mas pessoas como eu, como ele...todos nós...não entendíamos como avisos; era mais como um desafio.
Aos poucos, começávamos a nos afastar, mas sempre que ele percebia que a distância estava grande demais, me procurava. Outras vezes, eu acabava voltando para a casa dele.
Mas isso acontecia durante aqueles...dois ou três meses de folga entre turnês. Talvez tenha sido outro motivo para nos afastarmos; era raro nos encontrarmos  na estrada, e quando acontecia, não estávamos em condições, muito menos tínhamos vontade de abrir mão de todos os extremos durante a turnê para ficarmos de exclusividade.
Era tudo muito novo ainda, muito empolgante e divertido. O problema era quando terminava. Quando terminava Setembro e toda a agitação dos meses do verão abriam passagem para o Outono, a agenda de shows baixava; ou os empresários criavam "braços" e então haviam shows na América do Sul, Ásia...qualquer lugar onde tivesse público. A máquina de dinheiro não pode ficar desligada por muito tempo.
Voltar para casa era estranho depois de tudo aquilo: abrir a porta e ver a sala vazia. O cansaço, o silêncio, a solidão e aí eu pensava "Isso não é como eu imaginava a vida de uma rockstar!"
Mas as coisas são como são, e então...os fantasmas que não eram ouvidos no meio de toda a algazarra mundo afora finalmente têm uma chance de serem ouvidos...e como eles falam!
Logo, não se pode esperar que fosse diferente: as drogas, o álcool e toda a putaria da turnê precisavam continuar rolando em casa, mas não por diversão, mas como distração.
A única coisa que realmente salvava era quando conseguia escutar esses fantasmas e demônios do passado sem me assombrar.
Era o que fazíamos desde o começo; o que nos levou até o topo. Colocar em música e em versos o que essas vozes atormentavam.
Eu via essas folgas entre turnê e começo de ensaios e gravações assim: era uma temporada no inferno mais profundo em busca de inspiração para novas músicas.
E às vezes, descer sozinha para o inferno era assustador demais. Precisava que alguém fosse comigo.

STARRY EYESWhere stories live. Discover now