Bret

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Ela não parecia bem, mas era normal eu me enganar com essas coisas. Tive meus momentos de pegar extremamente pesado em drogas, mas mesmo assim, não cheguei a encostar em heroína. O Poison começou a crescer no circuito da Sunset quando bandas como a Venomous, Dazzle, Dokken, Twisted Sister começaram a decolar. Assim, haviam algumas vagas abertas e não desperdiçamos a chance. 

Antes disso, alugávamos um quarto que era apenas um espaço reservado com lençóis pendurados numa espelunca em West Hollywood. O Rikki e o Bobby foram os primeiros a festejar com cocaína, ácido e MDMA. Do meu lado, era apenas para sobreviver quando chegasse em "casa". Tinha pelo menos mais nove ou dez junkies e alcólatras, às vezes um mendigo acabava baixando a âncora e a única divisão que tínhamos eram os lençóis pendurados como biombos. 

O álcool me ajudava a dormir e a cocaína me ajudava a sair na porrada quando algum desses "vizinhos" tentava nos roubar. Sendo diabético (tenho diabetes tipo I desde criança), talvez o preço que a Mavie e tantos outros pagaram com o tempo, me veio muito cedo. Quando a Vicky Hamilton nos ofereceu o primeiro cheque e se ofereceu como produtora (e era realmente uma sacanagem daquela piranha, que embolsava uma boa parte do que estávamos conquistando aos poucos) a primeira coisa que fizemos foi dizer adeus àquela espelunca. Pouco menos de um mês depois, saí carregado de nosso apartamento mediano e virei hóspede da ala de emergência.

 As drogas e o álcool quase me mataram, e foi a primeira vez que agradeci por ser diabético.
Não estava muito surpreso pela Mavie estar naquele estado. Sabia que ela e o Sparky tiveram algum lance rolando, mas até onde eu sabia, eram apenas amigos desde 1982 ou 1984. Não precisava ser um Sherlock Holmes para saber que tipo de amizade era aquela, por mais que já soubesse muito bem que amizade com ex é algo raro demais para encontrar, até mesmo entre dois junkies.

 
Sempre tive boas lembranças da Mavie. E estava empolgado por ela aceitar ir comigo para o meu apartamento, enquanto os caras já estavam farejando drogas por aí. Sempre passava os dias sozinho, escrevendo ou compondo algo com meu violão. Ela entrou atrás de mim, com os olhos azuis arregalados, olhando cada canto como um cão sem dono procurando um lugar para se deitar. Tinha um colchão de casal perto da única janela e um frigobar enferrujado que comprei em uma loja de penhores. Nenhum fogão. 

As roupas ficavam penduradas numa arara no canto, escondendo a porta para o banheiro e uma sapateira de pinho servia como estante de livros.

 
— Shakespeare? Sério?


— É...li alguma coisa dele na escola, acabei gostando. É meio embolado às vezes, mas...


— Olha só! Hamlet. Deixa eu ver aqui...."A Canção dos Coveiros", já leu?

 
Não sabia muito bem o que dizer. O nome não era estranho, mas depois de alguns anos morando em um cortiço, contando trocados para gastar em xerox de flyers para grampear em todos os postes de Los Angeles, a gente esquece uma coisa ou outra. Mas ela estava mais empolgada em me mostrar do que se eu sabia.

 
— Aqui... — ela me apontou um trecho, com um brilho empolgado nos olhos como uma menina que acabou de achar uma joaninha no jardim. Era difícil dizer não para ela.

PRIMEIRO COVEIRO: Então foi se ofendendo; não pode ter sido de outro modo, que o ponto principal
é o seguinte: se eu me afogar voluntariamente, pratico um ato; um ato é composto de três partes: agir,
fazer e realizar. Logo afogou-se porque quis.

SEGUNDO COVEIRO: Mas ouvi, compadre coveiro...

PRIMEIRO COVEIRO: Com licença. Aqui está a água; bem. Aqui está o homem; bem. Se o homem vai
para a água e se afoga, é ele, quer o queira quer não, que vai até lá. Toma nota. Mas se a água vem para
ele e o afoga, não é ele que se afoga. Logo, quem não é culpado de sua própria morte, não encurta a vida.

STARRY EYESNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ