SEM ACORDOS

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É uma coisa complicada de explicar: quando tem alguma coisa a mais envolvida, algum sentimento, temos sempre muito a dizer e nem precisa de explicação.

Era esse o caso? Na época eu achava que não. Nós achávamos que não, cada um à sua maneira. As coisas eram só....o que as coisas eram, sabe?

Dormimos juntos até anoitecer. Depois, ficamos a noite inteira cheirando, bebendo, ouvindo música. Depois amanheceu de novo, transamos de novo e dormimos outra vez. Era normal? Não. Alguém chegou a parar para pensar nisso? De forma alguma.

Era apenas...mais uma aventura, e meu deus, quantas outras aventuras tivemos por aí com outras pessoas?

Não havia nenhum acordo, nada foi dito que significasse mais do que "legal esse cara" e "a Mavie é gente fina". Não passava disso!

A mudança que aconteceu, não aconteceu dentro daquele quarto no apartamento dele. Tinha uma mudança esperando lá fora, e eu só soube na noite seguinte, quando voltei para casa, onde uma chuva de esporro me esperava.

- Onde CARALHOS você estava?

Eu mal tinha terminado de abrir a porta, e a Vanity já estava pronta para sair, maquiada e com um colete de couro branco que eu nunca tinha visto e uma saia vermelha que eu me perguntei como ela ia fazer se precisasse mijar sem rasgá-la.

Lembre-se: não existiam celulares e a única forma de comunicação não verbal disponível era carta. Outro jeito disponível (esse tem até hoje) para ter notícias de pessoas "perdidas" era a boa e velha fofoca. Felizmente, a única fofoca que restara era que eu estive conversando com o Sparky no Troubadour. Ninguém relevante nos viu saindo juntos, pelo visto (até hoje não entendo como a palavra não correu até cair em ouvidos errados - ou certos).

Mas voltando para a Vanity, a blusa e a saia justa com os braços cruzados como uma mãe furiosa.

- Por aí...

- Por aí? Por aí? Enquanto você estava "por aí", eu estava surtando aqui! E se algum pervertido tive...

- Nenhum pervertido, Van. Só estava...por aí...bebi umas, dormi fora e pelo que consta no meu documento, já sou maior de idade e minha mãe está há quilômetros daqui.

Ela revirou os olhos como sempre fazia quando eu respondia algo que não era o que ela queria ouvir.

Isso também acontecia bastante.

- Você sabe por acaso quem está em LA? E "por acaso" estava no Troubadour na nossa gig anteontem?

- Você tem mesmo que fazer aspas com os dedos?

- Tá pouco se fodendo, né? Essa sua atitude de "foda-se o mundo" não pode custar caro para nós todas, porra!

- E quando eu disse que eu quero mais que tudo se foda? Quando você estava no colo de um guitarrista qualquer no camarim, ou quando a Cherry estava dando a bunda pro Razzle no banheiro?

- Pelo menos você sabe onde e com quem eu estava, e depois, você sabe muito bem que eu estava aqui. Onde você também deveria estar!

Eu até podia entender. A gente sempre falava que cuidávamos umas das outras. Soul Sisters, é o que dizíamos que somos. Também tinha outro problema: se aquela discussão sem sentido continuasse, ela iria acabar arrancando de mim onde e com quem eu estava.

Em retrospectiva...por que eu ficava tão grilada em admitir que estava com o Sparky? Afinal, se eu dissesse ali que era apenas o de sempre: sexo, drogas e rock'n roll. Sabe, só diversão. Tudo bem, eu podia admitir que estávamos nos tornando amigos mais próximos do que jamais fui de um homem.

Mas mesmo assim, eu estava só me divertindo, ele também. Talvez estivéssemos usando um ao outro para prazer, do mesmo jeito que usávamos cocaína e álcool, então...qual era a porra do problema?

- O importante é que eu já estou aqui, estou bem, sã e salva, ok? Me desculpe não ter avisado, acabei me deixando levar por umas...horas, um dia, sei lá.

- E quem é ele?

- Não força... - Essa tiradinha que também era uma bela saída à francesa me tirou um pouco o peso da culpa. - Então...qual é a grande presença que estava infiltrada entre o público?

- Você não vai acreditar! - ela dava uns pulinhos batendo palmas - Era o Ian McAlister!

- Quem?

- Ian McAlister! ...você deve conhecer ele pelo apelido, Lemmy Kilmister...já ouviu falar?

Eu olhei para cima, a boca meio torta como se estivesse tentando lembrar. Ela estava com os olhinhos amendoados quase saltando da cara esperando eu responder alguma coisa.

- A porra do Lemmy Kilmister? PUTA QUE PARIU! - ela pulou em cima de mim e quase caí pra trás tentando carregá-la. - Como assim? Como foi isso?

Acontece que eles estão mesmo em turnê por aqui, o que eu sabia, mas era péssima em recordar datas, e lógico que perdi o Motörhead em Hollywood. Entretanto, eles tinham ido para o circuito noturno na Sunset, e lógico que ele foi parar no Troubadour, e lógico que viu o nosso show.

E agora a Vanity tinha um rolo com o Phil "Filthy", baterista do Motorhead. E a Cherry, lógico, era uma das tais 200 mulheres que Lemmy se gabava em contar que transou.

- Acontece que a Cherry e ele se engajaram pouco depois que ela...

- Chupou o pau do Razzle? Pois é, falando em subir a carreira...

- Levou a um novo patamar mesmo, né? Agora, o próximo passo: hoje, em específico, vou dar uma volta com o meu Phil. E aparentemente, o Sr. Kilmister quis conhecer a "baterista monstra" também. Pena que não te encontramos, né...

- É...uma pena mesmo.

Não me leve a mal, conhecer o Lemmy era DO CARALHO. Só não me imaginava na cama dele.

- Estamos fechados para a próxima quinta à noite no Troubadour. E eles estarão lá, e aí vamos ver o que acontece, não é?

Eu ainda achava que era bom demais para ser verdade, mas quem sou eu para colocar água no chope da minha própria banda?

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Sabe que eu mal consigo associar que aquilo tudo passou de uma semana para outra? O tempo não passou mais rápido nem mais devagar. Eu estava chapado demais para calcular o tempo e perceber qualquer coisa anormal.

Foi naquela mesma semana que fomos para a Elektra e assinamos o contrato. As coisas finalmente começariam a acontecer como queríamos. E com o contrato assinado, veio o primeiro cheque. Cinquenta mil dólares, porra!

E como saímos do escritório da gravadora? Com cinquenta mil dólares no final da tarde e vários corpos entrando e saindo do meu apartamento. A semana INTEIRA.

O sinal que eles haviam pago como garantia que recusaríamos qualquer outra proposta até o contrato ficar no ponto pra ser assinado rendeu uma bela Harley, mas isso?

Durante toda aquela semana só lembro de flashes de mulheres entrando comigo no quarto, no banheiro. Lembro que chupei uma e ela gozou tão forte que parecia uma fonte!

Na mesma noite, todas essas? Talvez sim, talvez não.

Mas lembro que na quarta-feira eu estava pilotando em direção a West Hollywood para levar uma delas de volta para casa. Era linda, morena, pequena como um passarinho. E nos dias seguintes, onde eu estava, ela também. Seu nome era Marianne. Ela tinha bons contatos para cocaína, era bonita pra caralho, e...era completamente louca.

A Mavie...bem...não havíamos feito nenhum acordo, não tinha nada além do acontecido. E como não tive mais nenhum sinal dela, mesmo que a Cherry tivesse ido numa dessas festas, a Vanity também apareceu uma vez, mas nenhum sinal...o que você pensaria?

Exatamente, o que eu pensei: ela se divertiu, eu também, a amizade segue e "nos vemos por aí".

STARRY EYESWhere stories live. Discover now