O QUE RESTOU DE HOLLYWOOD

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Era mesmo um bom lugar aquele. Podia entender bem porque ela tinha se internado lá, e porque era uma escolha para mim, também.

Nada de me ajoelhar para Deus nem nada do tipo. Às quintas tinha terapia em grupo, sem aquelas dinâmicas babacas de cair pra trás e o outro segurar. apenas conversávamos. Mas tinha uma abordagem diferente. Aos poucos, começava a sacar que precisava escutar mais e falar menos. E engolir um pouco do orgulho e admitir que não era nada especial ter me fodido na vida. Todos ali eram fodidos de alguma forma, e todos passaram aquele tempo todo tentando evitar o sofrimento. Acho que no desespero eu acabei me agarrando a esses sentimentos e virou meu bebezinho. Eu acolhia, nutria e protegia meu ressentimento como um urso.

Praticamente todas as semanas a Mavie aparecia para me visitar, de acordo com as regras. Eu perguntava para o meu conselheiro, que perguntava para a psicóloga, que consultava o psiquiatra que então decidia se dava o passe-livre ou não. Mas nunca aconteceu um "não". 

As visitas continuaram por um tempo, mas claro que uma hora chegaria a última vez.Naquele dia que a Mavs me visitou, ela não parecia bem. Evitava o meu olhar, estava pálida como um fantasma e parecia fraca. As mãos dela tremiam e ela tentava não demonstrar, mas estava muito óbvio que tinha algum problema. Pensei que ela precisaria se internar também, e estava esperando eu sair. Pensei que ela estava em uma recaída das bravas. Depois daquele dia, ela nunca mais voltou. O Jimmy ligava e ela dizia que não podia ir. Uma vez ela mandou a Vanity ir por ela e eu fiquei "mas que porra?". Também não consegui tirar nenhuma informação dela.

Fala pro Buda ou uma Força Maior qualquer resolver essa por mim...merda.

— Van, o que tá acontecendo? É a quarta vez que eu chamo ela...

— Eu realmente não sei, Spark.

— Na última vez, ela estava bem zoada.

— Eu sei.

— Você sabe onde ela está, pelo menos?

— Ainda está lá, na sua casa. Mas só falo com ela pelo telefone, ela não atende mais...

— Tem uma chave reserva...

— Na gárgula ao lado da porta. Bom, tinha, né...se eu souber de alguma coisa, eu venho contar, Spark. Ela só me pediu pra te entregar isso e ver como você está.

Deixou um envelope em cima da mesa, levantou e segurou a minha mão.

— Se cuida, tá legal? Seja lá o que for...ela precisa de você inteiro.

— Que porra isso quer dizer?

Ela não me respondeu e eu fiquei lá, com cara de bunda. Guardei o envelope para abrir na terapia. Olha que frouxo que eu estava virando...sei lá.

Passei o resto daquela semana olhando a janela. Choveu muito naquela semana e eu estava perdendo a noção do tempo. O consumo de café e cigarros aumentou a ponto de precisar ser administrado junto com meus remédios.

Esperava algum tipo de desfecho quando entrei na sala da psicóloga e mostrei o envelope. Ela simplesmente olhou para o envelope e para mim, de novo para o envelope.

— Eu não sei se quero ler isso.

— É dela?

— Lê pra mim, por favor? Eu não quero surtar com uma notícia ruim agora.

— E o que faz você achar que é uma notícia ruim?

— Apenas...lê e me diz se é tão ruim assim, tá? Maldição...

Ela respirou fundo e abriu o envelope como se fosse anunciar o vencedor do Oscar de Filme do Ano. Eu andava de um lado pro outro com as mãos enfiadas dentro dos bolsos da calça de corrida. Estava suando em bicas há semanas, o organismo começava a metabolizar melhor e estava acelerado. Tinha uma sala de exercícios e eu às vezes fazia alguma musculação por lá. Porra, demorava uma eternidade, não era uma carta tão longa, porra...

STARRY EYESWhere stories live. Discover now