Capítulo I - TONHO

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Mais uma noite em claro.

Não que eu realmente me importasse com isso. Esse problema já tinha virado parte da minha rotina desde o último incidente. Todos sofreram de alguma maneira e, como castigo, recebi a insônia.

Terminei minha ilustração – mais um exemplar do nascer do sol visto da calçada para a minha coleção – e o enfiei no bolso, assim que ouvi alguém se aproximando. Eu sabia que era a Sara, mas permaneci parado até vê-la se sentando ao meu lado.

Ela não disse nada, como acontecia todas as manhãs. Na verdade, às vezes eu tinha a impressão de que a nossa vida tinha virado uma eterna repetição, mesmo que tentássemos fazer as coisas de modo diferente.

- Mais uma ilustração? – indagou. Provavelmente para quebrar o silêncio, que se tornava mais sufocante a cada dia.

- Quer ver? – tornei, enfiando a mão no bolso e pegando o desenho.

Dei uma última verificada antes de entrega-la a folha de papel. Ela a tirou da minha mão e a analisou contra o sol, que nascia no horizonte.

- Está ficando melhor a cada dia – elogiou, devolvendo-me a folha.

Em outra situação eu teria ficado sem graça. Em outra situação, nós dois acabaríamos brigando por algum motivo irrelevante. Em outra situação, nós nem sequer conversaríamos. Mas a Sara estava diferente. Ela tinha amadurecido tanto nesses últimos quatro meses, que eu quase não a reconhecia mais. Mas quem sou eu para falar sobre isso? Eu também estava diferente, afinal. Todos estávamos. E isso era horrível.

- Como ela está? – perguntei, ainda sem encará-la.

- Você sabe. Alguns dias são melhores, outros, nem tanto.

Suspirei, com medo de saber se aquele era um dia bom ou um dia ruim.

- Ela não teve nenhum pesadelo esta noite, então acho que esse será um dia bom.

Encarei-a finalmente e pude notar as olheiras profundas que ela apresentava. Senti-me grato em saber que eu tinha alguém para dividir o fardo. Pelo menos, quando o assunto era a Helô.

Desde nossa visita inesperada ao hospital, a Sara e eu nos tornamos mais próximos. É claro que isso só aconteceu devido aos problemas da Helô, mas acabamos nos tornando amigos. E isso só prova o quanto nosso grupo virou de cabeça para baixo nesses últimos meses.

- Você deveria descansar um pouco – aconselhou-me, enquanto se levantava. – Sua aparência está péssima.

Não havia qualquer tom de hostilidade em sua fala, o que deixava claro que ela estava falando sério.

- Não que eu esteja muito melhor – completou, com um sorriso triste.

- Estou sem sono algum – respondi, levantando-me também. – Mas obrigado pela preocupação.

Ela concordou com um aceno de cabeça e entrou na cozinha, enquanto segui até o jardim tomado pelo mato. Indaguei-me pela bilionésima vez o que tínhamos feito de errado para merecer toda essa desgraça. Era justo que, só porque não tínhamos uma família, não pudéssemos ser tratados como pessoas normais? Antes que a raiva tomasse conta de mim, resolvi afastar esses pensamentos. Eu tinha um grupo que contava comigo e, a esta altura do campeonato, eu não podia deixa-los na mão.

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Sejam bem-vindos à nossa terceira e última parte dessa história. :D

Assim como A Terceira Criança, teremos capítulos novos todas as terças, quintas e sábados.

Aproveito a oportunidade para divulgar a nossa página no Facebook. Lá vocês encontram novidades sobre a nossa historia e muitos, muitos memes, porque sou dessas ;P O link está lá nos comentários.

Espero que gostem.

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As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now