Capítulo CXXI - TIÃO

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Tião ganhou a tão sonhada bolsa.

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Acordar cedo seria um problema para mim, se eu tivesse pregado o olho durante a noite. A sensação de ter um enxame de marimbondos dentro do meu estômago estava quase me matando. Exatamente por esse motivo, antes das sete da manhã eu já estava na frente da porta, esperando que alguém a abrisse.

Não demorou até que a Inês chegasse, o que me deixou aliviado. Era muito melhor ver um rosto conhecido nessa situação.

– Bom dia, Sebastião. Espero que esteja descansado, porque seu dia será movimentado – começou, enquanto destrancava a porta da frente.

Concordei com um murmúrio. Eu não tinha condições de explicar toda a minha situação, então a segui em silêncio até a sua sala. Ela abriu o seu armário e tirou uma mochila de lá.

– Aqui tem tudo o que você precisa – disse, entregando-me a mochila. – Vá tomar seu banho. Sua primeira aula é no auditório dois, às sete e meia.

Concordei novamente e corri para o banheiro. Dentro da mochila tinha uma toalha, sabonete, desodorante e roupas limpas. Tomei um banho rápido, com receio de me atrasar na minha primeira aula. Conclusão: fui o primeiro a entrar naquele auditório. Logo ele foi enchendo e enchendo e eu me sentindo cada vez mais alheio aquilo tudo.

– Esse lugar está vazio? – perguntou a Tina, com um sorriso acolhedor.

Após minha confirmação, ela se sentou ao meu lado e me senti bem em ter uma pessoa conhecida comigo. Mesmo que não tivéssemos trocado mais do que poucas palavras, ainda era melhor que ter um total desconhecido ao meu lado.

Ficamos conversando sobre amenidades até o professor entrar no auditório, calando a todos. Era um dos jurados que presenciaram meu fiasco. Ele nos cumprimentou e se apresentou de forma rápida. Então começou a falar sobre um monte de coisas que eu não fazia a menor ideia do que se tratava. Semitom, colcheia, mínima, clave e mais um monte de coisas que eu nem ao menos me lembrava de já ter ouvido na vida.

– Você está bem? – indagou a Tina, a notar minha express'ão de espanto.

– É claro – menti.

– Então por que você está com essa cara?

Suspirei fundo e então lhe contei tudo. Que eu era uma fraude e que eu nunca deveria ter inventado essa ideia. Que meu destino era continuar na rua, roubando comida, junto com meus amigos.

– Você mora na rua? – tornou, arregalada.

Concordei com a cabeça. Não era bem verdade, já que eu morava em uma casa, mas acho que não valia a pena explicar tudo. O professor chamou a atenção de alguns alunos que também estava conversando, o que acabou com a nossa conversa. Voltei a ficar em silêncio, devaneando sobre a tremenda besteira que eu fizera, quando a Tina me entregou um bilhete.

Me encontra perto dos banheiros no final da aula.

Dei de ombros e continuei fingindo prestar atenção na aula pela manhã inteira. Quando a aula acabou, só fui até o banheiro para me despedir da Tina, pois eu já tinha colocado na minha cabeça que eu não voltaria mais para esse lugar.

– Você realmente não sabe nada sobre teoria musical? – indagou-me, pasma.

– Eu já te disse que eu moro na rua e aprendi a tocar em um violão que eu achei no lixo – tornei, envergonhado. – O que você esperava?

Ela ficou me olhando por alguns instantes, como se estivesse pensando em uma solução. Logo anotou alguma coisa em uma folha de papel e me entregou.

– Esse é o meu endereço. Se meu padrasto desconfiar que eu estou deixando um garoto entrar em casa, eu estou ferrada, então só aparece depois das três, que é quando eu vou estar sozinha, entendeu?

– Entendi, mas... qual o motivo disso?

– Eu vou te ensinar toda a parte teórica.

– Mas por que você está fazendo isso? – insisti, cético.

– Porque muitas pessoas, se estivessem na sua situação, matariam por uma oportunidade dessas e eu não vou deixar você desistir.

Antes que eu tivesse oportunidade de responder, ela girou nos calcanhares e foi embora, deixando-me a sós com aquele pedaço de papel.

*

Até agora ainda não entendi porque resolvi botar fé no que ela dissera, mas um pouco depois das três eu estava em frente a sua casa. Tratava-se uma casa muito, muito simples. Se a casa onde vivíamos não estivesse abandonada há anos, poderia até dizer que a nossa casa era muito mais luxuosa que a dela.

Bati na porta e esperei que ela viesse me atender, o que não demorou nada. Sem demora, ela me levou para o seu quarto, abriu alguns livros e um caderno esquisito, com várias linhas e começou a falar, falar e falar. Eu tentava a todo custo acompanhar o que ela dizia, até porque nem era tão complicado quanto eu imaginei. Aprendi algumas figuras rítmicas e a usar aquelas linhas engraçadas do caderno.

Na cozinha havia um relógio brega, com flores e uma borboleta no ponteiro dos segundos, que tocava uma música esquisita a cada hora. Quando bateu sete horas, ela me encaminhou até a porta.

– Se eu não te encontrar na aula amanhã de manhã, eu vou atrás de você, seja lá onde você se esconda, entendeu? – disse, em tom autoritário.

Sorriem resposta. Depois de toda essa ajuda, só se eu fosse maluco para jogar tudopara o alto. 

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Uma salva de palmas pra Tina, gente! \o/

Não esqueçam do voto e dos comentários.

Beijão ;*   

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now