Capítulo XIV - SARA

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Depois de tudo o que aconteceu, a Sara e o Tonho ficaram muito mais próximos do que antes, especialmente por causa da Helô.

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Acordei cedo naquela manhã e cumpri meu ritual diário de encontrar o Tonho na calçada, enquanto o sol nascia. Certifiquei-me de que seus desenhos ficavam melhores a cada dia e então voltei para dentro para acordar a Helô. Depois de garantir que os quartos estavam vazios, entrei em um deles e me deitei no chão, encarando o teto. Desde que as coisas mudaram por aqui, essa era uma prática comum nas minhas manhãs. Só o Tonho parecia não ter notado isso.

- O que você está fazendo? - ele perguntou, entrando no quarto.

- Fugindo da realidade – respondi, fechando os olhos.

Com os acontecimentos recentes, cada um arranjou uma forma de "fugir da realidade" sempre que possível. O Tonho desenhava, o Zeca foi embora, a Iolanda sumia, a Helô passava o dia inteiro na cama, o Tião vivia afinando aquele maldito violão... jeitos diferentes de buscarem uma mesma coisa.

Sem que eu esperasse, ele se deitou ao meu lado e ficou encarando o teto também. Não pude esconder um sorriso, pois o Tonho de alguns meses atrás jamais faria isso.

- O que você está fazendo? - perguntei, achando graça.

- Estou tentando entender o que diabos você está fazendo.

- Eu estou decorando a casa – contei, abaixando o tom.

Eu ainda me sentia um pouco sem graça em admitir esse tipo de coisa em voz alta. Não queria que o Tião ouvisse e saísse espalhando aos quatro ventos e rindo de mim.

- Como assim? - tornou, segurando-se para não rir.

- Eu fico pensando em como eu decoraria a casa se ela fosse minha e se eu tivesse dinheiro para isso – respondi, sem me importar com o seu deboche.

- Eu, hein? Vocês andam cada vez mais esquisitos.

Permaneci em silêncio por algum tempo, ouvindo apenas o som das nossas respirações e o canto dos pássaros do lado de fora. Fechei os olhos imaginando aquelas paredes pintadas em tons pastel, com vários móveis antigos, mas muito bem cuidados. Uma cama de casal não muito grande, coberta com uma colcha florida e vários travesseiros nas mesmas cores da colcha. Em cima da cabeceira, um quadro grande de alguma praia deserta e nos lados, dois criados-mudos pequenos e...

- Você não estava brincando? - ele perguntou, interrompendo meus devaneios.

- É claro que não – sorri. - Você tem algum sonho?

- Sonho? - tornou, parecendo ter sido pego de surpresa. - No momento, acho que fazer a minha irmã voltar ao normal já estaria de bom tamanho.

- Não, Tonho. Estou falando de um sonho de verdade. Alguma coisa que você queria muito que acontecesse, mas sabe que isso só existe na sua cabeça.

Ele ficou quieto, parecendo pensar a respeito da minha pergunta. Pela sua demora, parecia que ele nunca tinha pensado sobre isso. Ou talvez ele pensasse e só estivesse com vergonha de me falar. De qualquer maneira, não esperei pela sua resposta.

- Meu sonho era ter dinheiro para comprar essa casa e decorá-la do jeito que eu quisesse – contei.

- Essa casa? - riu de mim. - O que essa casa velha tem de tão especial, Sara?

- Tudo! - tornei a fechar meus olhos, imaginando-a do jeito que eu sempre quis. - Essa casa é perfeita. Eu vivi meus melhores anos nesse lugar e não queria vê-la ruir.

- Melhores anos? - indagou, sentando-se e me olhando com incredulidade. - Você está brincando, não está?

Não pude evitar um sorriso. Como ele poderia achar que eu brincaria com algo tão sério? Sentei-me para poder encará-lo.

- Eu não me lembro dos meus pais. Não lembro se eles eram boas pessoas, se pareciam-se comigo, se sonhavam com um futuro para mim e para o Tião – comecei, tentando não parecer melancólica. - Quando eles morreram e eu era muito pequena e um casal de tios ficou com a nossa guarda. Eles eram pessoas horríveis e nos tratavam como se fôssemos animais. Foram anos comendo o pão que o diabo amassou, até que eles também bateram as botas e acabamos no orfanato. De lá, para o hospital, até que você e o Zeca nos trouxeram para cá.

Ele me encarava com total espanto. Era engraçado como em todos esses anos vivendo juntos, não conhecêssemos quase nada a respeito uns dos outros.

- Você não faz ideia do quanto eu me sinto sortuda em ter feito amizade com a Helô – sorri, meio sem graça. - Se não fosse isso, talvez eu ainda estivesse lá. Mesmo com toda aquela história de cavalo de cabelo comprido, eu vivi aqui os melhores dias da minha vida.

- Puxa, Sara! - exclamou, boquiaberto. - Eu não sabia disso. Eu sinto...

- Não sinta – interrompi-o rapidamente. - Você não tinha como saber. A propósito, você prefere um tapete cinza felpudo ou um de crochê colorido aqui nesse quarto? - perguntei, apontando para o local onde eu estava deitada há alguns instantes.

- Não sei – sorriu, coçando a cabeça. - Para poder responder eu preciso saber como é a decoração do quarto.

Puxei-o para se deitar ao meu lado novamente.

- As paredes são de tons pastel...

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Esse é o meu capítulo favorito de todos *-*

Ainda referente ao assunto do recado, andei pensando muito a respeito. Quase queimei neurônios pensando numa saída que fosse boa para todos e cheguei a uma conclusão. Já tenho 120 capítulos prontos (e ainda não terminei de escrever. Preparem-se para um livro longoooooo) e, pelos meus cálculos, se eu postar capítulos de segunda a sábado, terminaríamos o livro na metade de setembro. Levando em consideração também que em junho eu vou viajar e ficarei duas semanas sem postar, achei que seria justo recompensá-los dessa forma. Então a partir de hoje, capítulos novos todos os dias :D

Não esqueçam do voto e do comentário.

Beijão ;*


As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now