Capítulo CLXVIII - TONHO

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Um caco de vidro tinha voado na minha perna, mas, apesar da dor, eu continuava correndo. A certa altura, olhei para o lado e não vi a Sara. Assustado, olhei para trás e a vi parada no corredor a vários metros de nós.

– O que aconteceu? – perguntei, quando a alcancei.

Ela estava curvada para a frente, segurando a barriga e bastante ofegante.

– Você está cansada? – insisti e ela concordou com um aceno. – Vamos, Sara. A gente tem que sair daqui.

Procurei pelo restante do grupo pelo corredor, mas eles já deviam estar longe demais, por isso virei as costas para a Sara e me abaixei, pedindo que ela segurasse meu pescoço, para que pudéssemos sair dali antes que o fogo pegasse de verdade.

Não tornei a encontrar o grupo e só esperava que eles não voltassem para nos procurar. Encontramos a saída com facilidade, especialmente porque a Sara sinalizava a direção que eu deveria pegar e logo estávamos do lado de fora. A esta altura já se podia ver as chamas no prédio do hospital do lado de fora e, temendo outra explosão, corri para bem longe dali para um lugar isolado. Por mais que eu estivesse preocupado com a Helô, sabia que ela estava em boas mãos e, se um intangível e um telecinético não dessem conta de protegê-la, não seria eu a fazer esse serviço.

Não sei se foi a adrenalina da fuga ou desleixo meu, mas só quando estávamos consideravelmente longe que eu notei que alguma coisa esquisita estava acontecendo. Minhas costas estavam molhadas e, até então, eu jurava que era meu suor pelo esforço, mas não era. Quando eu ajudei a Sara a descer, notei que era sangue. Sangue pra caramba.

– O que é isso? – perguntei, alarmado. A camiseta dela estava ensopada de sangue, assim como o chão por onde passamos.

Ela não respondeu, apenas me fitou com cara de dor e se sentou no chão. Abaixei-me ao seu lado.

– Pelo amor de Deus, Sara! O que está acontecendo? – insisti, sentindo o nervosismo se apossando de mim.

– Um estilhaço de vidro me acertou. Eu tentei tirar, mas acho que piorou tudo – explicou, com a voz fraca.

– Eu vou procurar ajuda. – Levantei-me apressadamente, mas ela segurou a perna da minha calça, que também estava suja de sangue.

– Não me deixa aqui sozinha, por favor. – Pediu, em tom suplicante.

– Mas você precisa de ajuda!

– Eu estou com medo, Tonho. Fica aqui comigo.

Eu não podia negar seu pedido, mas também não podia deixá-la ali. Sem saber como agir, resolvi atender à sua súplica e voltei a me sentar ao seu lado.

– Obrigada. – Sorriu, apoiando-se em mim.

Ela parecia estar apavorada e sentindo muita dor. Eu não entendia como ela conseguia sorrir numa situação daquelas.

– Está doendo muito?

Pressionando as mãos sobre a barriga, ela concordou.

– Você precisa de ajuda, Sara. Eu não sou entendido no assunto, mas isso parece bem sério e você já perdeu sangue demais. – A verdade é que eu estava apavorado. Além do cenário de filme de terror, ela estava pálida e seus lábios estavam começando a ficar arroxeados. – Vamos procurar alguém imediatamente.

Ao invés de concordar, como qualquer pessoa na situação dela faria, ela permaneceu estática, olhando para mim, como se pensasse no que iria responder.

– O hospital está pegando fogo. Eles vão ter que me transferir para outro hospital em outra cidade – explicou, entre gemidos de dor. – Não vai dar tempo.

– Você não tem como saber.

– É claro que eu tenho. Eu consigo enxergar aqui dentro. – Apontou para a própria barriga. – Eu não quero morrer em uma ambulância cercada de estranhos. Eu só quero ficar aqui, abraçada com você, ouvindo que tudo vai ficar bem. Será que é pedir demais?

Sua voz sempre alta e alegre, estava fraca e embargada e eu tentava evitar a todo instante o pensamento de que havia a possibilidade de que eu nunca mais tornasse a ouvi-la. Abracei-a com força, quase ignorando o fato de que ela estava gravemente ferida. Ela devolveu o abraço e, por um instante, eu senti que tudo poderia ficar bem.

Mas eu estava enganado. Nada ficaria bem novamente e a culpa era minha, por ter aceitado esse plano idiota. Eu me sentia culpado e responsável por tudo isso e esses sentimentos estavam doendo demais, mas, mais do que isso, o que mais me feria era a impotência ao ver a Sara morrendo aos poucos e não poder fazer nada para evitar isso.

– Isso não é justo. – Concluí, já sem conseguir evitar as lágrimas. – Eu não podia ter deixado isso acontecer.

Afastando-se do meu abraço, ela olhou nos meus olhos com muita seriedade.

– A culpa não é sua. Nem do Zeca, nem da Suzana, nem de nenhum deles... Os únicos culpados são as pessoas daquele hospital. Eles são os responsáveis por tudo isso, entendeu? Se eu souber que você andou culpando qualquer um deles pelo que aconteceu, eu juro que eu volto para puxar o seu pé. – Riu, fazendo uma careta de dor.

– Não fala assim, por favor. – Supliquei, já tomado pelos soluços.

Ela entrelaçou seus dedos nos meus, e pude sentir que sua mão estava gelada e as pontas dos seus dedos ganharam um tom azulado.

– Você me faz um favor? – perguntou. Sem esperar pela minha resposta, continuou – Não deixa o Tião desistir daquela bolsa de estudos. Nem que você tenha que levar ele amarrado até lá, mas não deixa ele desistir.

– Eu não vou deixar, eu prometo.

– E cuida bem da Helô, tá? Se o Bruno a fizer sofrer, quebra a cara dele por mim. – Sorriu.

– Vai ser um prazer – Sorri de volta.

Ainda sem tirar os olhos dos meus, ela soltou a minha mão e tocou no meu rosto. Mesmo que sua mão estivesse congelando, seu toque me aquecia e eu só desejava poder senti-lo para sempre.

– Esses últimos dias foram os melhores da minha vida. – Levei minha mão sobre a dela e fechei os olhos, tentando fingir que estava tudo bem. – Obrigada por me permitir viver isso.

Seus lábios frios tocaram os meus, mas eu não conseguia parar de chorar. Não era justo que eu tivesse levado tanto tempo para descobrir esse sentimento e agora, em pouco tempo, eu tivesse que dizer adeus. Simplesmente não era justo. Como eu iria seguir em frente?

Quando ela se afastou de mim, deitou sua cabeça sobre as minhas pernas e acariciei seus cabelos. Ela não parecia mais sentir medo e eu tentava não demonstrar o pavor que me dominava desde que eu me dera conta do que estava prestes a acontecer.

– Eu te amo, Sara – sussurrei.

Esperei por alguns segundos pela sua resposta, mas ela não veio. Seus olhos ainda estavam abertos, mas sem vida. Ela não estava mais ali e eu me negava a acreditar que aquilo estava acontecendo.

– Eu não quero seguir em frente, Sara – continuei, com a fala entrecortada pelos soluços. – Eu não quero.

Abracei o seu corpo sem vida com toda a minha força, numa tentativa falha de colocar para fora toda a minha tristeza, frustração e desespero. Eu não podia viver em um mundo sem ela. Sinceramente, eu não conseguiria.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now