Capítulo CLXXIV - TIÃO

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Eu estava morrendo de vergonha por estar retornando ao conservatório depois de um mês. Eu não tinha dado qualquer explicação nem satisfação sobre o meu sumiço.

Para ser bem franco, eu cogitei a possibilidade de nunca mais voltar para aquele lugar, mas o Tonho disse que eu ia voltar para lá, nem que fosse amarrado. Aquela não era uma frase típica dele. Eu tinha certeza que aquela era uma frase de Sara e foi por ela que estava aqui, sentado em uma daquelas cadeiras chiques, esperando pela Inês.

Ela entrou na sala e me olhou com decepção e tristeza, então se sentou à sua mesa e entrelaçou os dedos.

– Eu não esperava te ver aqui, Sebastião – começou - Quer dizer, eu esperava te ver aqui há um mês, assistindo às aulas, como era o combinado. Mas depois de tantas faltas sem justificativa, eu pensei que você não voltaria.

Respirei fundo, olhando para os meus pés.

– Eu sei que eu pareço um mal agradecido, mas eu tenho uma explicação – disse.

– Bom... estou esperando. – Ela se recostou na cadeira, lançando-me um olhar cético.

Tornei a suspirar, tentando colocar os milhares de pensamentos na minha cabeça em ordem.

– Eu tinha um sonho. Não era um sonho comum, como a música, nem amor, nem nada dessas coisas. Era um sonho muito maior, porque tinha ódio envolvido e você sabe que o ódio é um sentimento forte pra caramba – comecei, evitando olhar para ela. – Acontece que ele se realizou, mas ao invés de ficar feliz, eu fiquei sem chão, porque a vida cobrou muito caro para realizá-lo.

Pela primeira vez desde a morte da Sara, eu senti meus olhos arderem com a iminência do choro.

– E agora que esse sonho se realizou, eu não sei o que fazer – continuei, com a voz embargada. – Porque parece que a minha vida perdeu o rumo...

Tive que parar o que estava falando, porque o choro que eu prendi por um mês veio com tudo de uma vez só. Apoiei meus cotovelos sobre a mesa e abaixei a cabeça, soluçando sem parar.

– Se você não me contar o que aconteceu, eu não vou conseguir te ajudar – disse, com a voz suave. Não havia mais nenhum traço de decepção em sua voz e ela parecia disposta a me ajudar.

– Você assistiu os noticiários nessas últimas semanas? – perguntei e ela balançou a cabeça em afirmação. – Então você soube sobre o incêndio no hospital e as mortes.

– É claro que eu soube.

– A Sara, minha irmã, a pessoa que me incentivou a aparecer naquele teste, foi uma das vítimas. Ela sempre esteve do meu lado e agora eu estou me sentindo completamente sozinho e sem saber o que fazer. Foi por isso que eu passei esse mês longe, Inês. Porque eu não consegui.

Tornei a abaixar o rosto e chorar e senti sua mão sobre o meu ombro. Ela não estava mais sentada na sua cadeira, mas ao meu lado.

– Você deveria ter me avisado. Eu sinto muito, de verdade. Eu sei como é perder uma pessoa importante e te digo com propriedade, a dor não passa, mas você se acostuma com ela. – Ela me abraçou e só então eu percebi o quanto precisava daquele abraço. – Você acha que tem condições de continuar nesse semestre? Você já perdeu muitas aulas. Se quiser, eu reservo sua vaga para o próximo semestre.

– Eu prefiro continuar agora. Eu preciso ocupar a minha mente.

Ela concordou e voltou a se sentar na sua cadeira. Pegou o telefone e discou um número.

– Traga a Valentina até a minha sala, por favor – pediu a pessoa do outro lado da linha. – Obrigada.

Passamos alguns instantes no mais profundo silêncio e logo ouvimos batidas na porta. A Tina entrou na sala e ficou surpresa ao me ver.

– Eu pensei que você tivesse desistido – disse.

– O Sebastião passou por momentos difíceis, mas ele está de volta – explicou. – Você acha que consegue colocá-lo a par do que ele perdeu durante esse mês?

– É claro. Ele é muito inteligente. Vai pegar tudo rapidinho. – Sorriu.

– Ótimo. Podem usar a minha sala – disse, seguindo até a porta. – Se precisarem de mim, estarei na cantina.

Pela primeira vez desde a morte da Sara, senti que a minha vida ganhava um sentido e só eu sei o quanto isso era importante naquele momento.

– Obrigado, Inês. De verdade.

Ela sorriu e disse:

– Você não está sozinho. Lembre-se sempre disso.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now