Capítulo CLXXV - HELÔ

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Ter uma vida normal era o nosso sonho desde sempre e, agora que isso finalmente tinha acontecido, eu me sentia completamente perdida. A pensão era legal e poder tomar banhos diários era maravilhoso, e tinha o trabalho também, que era uma novidade para mim. Mas mesmo depois de tanto tempo, eu ainda sentia como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa.

Meu horário preferido do dia era o final do expediente, quando eu sabia que voltaria logo para casa e esperaria o Bruno chegar para me levar para longe dali. Essas poucas horas que eu passava longe de casa me faziam sentir aquela Helô boba de antes, como se nada daquilo tivesse acontecido.

Tudo tinha virado de cabeça para baixo de uma hora para a outra. O hospital ruiu, a Sara nos deixou, o Tonho se tornou um morto-vivo, mudamos de casa e eu estava tendo muita dificuldade em me adaptar a essa vida nova.

A Mag avisou que o Bruno estava me esperando e eu desci correndo as escadas. O Tonho assistia TV na sala de estar, como ele fazia todos os dias, despedi-me dele sem delongas e saí pela porta da frente. Cumprimentei-o com um beijo e saímos caminhando sem trocar muitas palavras.

– Você acha que as coisas vão ser esquisitas desse jeito para sempre? – perguntei a ele, a certa altura do caminho, quando o silêncio já estava ficando insuportável.

Ao invés de me responder de pronto, como ele costumava fazer, ele me fitou por um tempo, medindo as palavras. Puxa! Como eu detestava aquilo.

– Eu não quero uma resposta agradável, droga. Eu quero a verdade, Bruno – disse, irritada. – Não seja um bunda mole!

– Como é que eu vou saber o que vai acontecer? Meu poder é telecinese, não prever o futuro. – Devolveu, chateado. – Eu sei que você está passando por um momento difícil e eu estou tentando levar suas patadas numa boa só por esse motivo, mas você não foi a única a sofrer as consequências daquele lugar. Não me transforme no seu saco de pancada particular, porque eu não mereço isso.

Ele virou as costas e foi embora, deixando-me para trás. Sentindo um misto de raiva e vergonha, girei nos calcanhares e segui em direção a nossa nova casa. Entrei pela porta da frente e dei de cara com o Tonho, ainda sentado naquele maldito sofá.

– Por que você está chorando? – perguntou-me, e só então me dei conta disso.

Deixei-me cair sentada sobre o sofá e cobri o rosto com as mãos.

– O que aconteceu, Helô? – insistiu.

– Eu odeio isso tudo, Tonho. É isso o que aconteceu – respondi, revoltada. – Eu perdi a minha melhor amiga, perdi o meu irmão e estou prestes a perder o meu namorado, porque eu não consigo lidar com essa droga de vida de nova.

– Ei! Quem disse que você me perdeu? – Ele se ajeitou no sofá e ergueu uma sobrancelha. – Eu sei que eu ando um pouco ausente ultimamente e eu estou fazendo um esforço danado para tentar voltar a o normal, mas para você eu sempre estarei aqui.

– Então por que é que eu me sinto tão sozinha?

Ele me abraçou e eu desabei no seu ombro. Era como se ali, naquele abraço, eu estivesse protegida de tudo e de todos, como se aquele fosse o lugar mais seguro do mundo.

– Eu sou e sempre vou ser seu irmão mais velho, por mais afastado que eu esteja. Não importa o que aconteça, nós sempre teremos um ao outro, está entendendo?

Concordei e fiquei mais alguns minutos ali. Quando finalmente me afastei dele, sorri e lhe dei um beijo estalado no rosto. Saí apressada pela porta e corri a toda velocidade até aquela pensão que eu conhecia tão bem. Bati na janela com força e vi a surpresa no rosto do Bruno, quando me viu ali. Segurei seu rosto e o beijei com urgência e, quando nos separamos pude ver a confusão no rosto dele.

– Você não é o meu saco de pancadas. Você é o meu namorado e está me ajudando a superar o pior momento da minha vida e eu não sei o que eu faria sem você. Eu sei que não tem sido fácil conviver comigo, mas eu juro que estou me esforçando, porque eu te amo.

Com um sorrisinho de canto estampado no rosto, ele me ajudou a pular a janela.

– Só um pedido de desculpas já estava de bom tamanho. – Deu de ombros.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now