Capítulo CLXXVI - TONHO

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Depois que a Helô saiu, ainda fiquei mais algum tempo naquele sofá, pensando em tudo o que ela dissera. Minha irmã estava precisando de mim e eu estava ocupado demais com a minha própria dor para perceber que todos estavam sofrendo com as mudanças repentinas. Era egoísmo demais da minha parte.

Vi o Tavinho e a Dani se aproximando da sala e já sabia que era a hora que eles queriam assistir alguma novela infantil ridícula. Eles eram sempre tão maduros que às vezes eu me esquecia completamente de que eles eram crianças que gostavam de fazer coisas de crianças.

– Eu já estou indo para o quarto. – Avisei, assim que eles se sentaram no sofá.

Ainda pude ver o Tavinho a cercando com várias almofadas e a ajudando a tirar sua prótese. Ele era todo cuidados com a Dani, ajudando-a a fazer de tudo e cobrando que todos a tratassem com igualdade.

Subi as escadas sorrindo e me deitei na minha cama. Abri a gaveta do criado mudo e tirei de lá uma correspondência que já estava até amassada, devido às várias vezes que a peguei nas mãos. Tratava-se da resposta de um dos jornais onde eu deixara alguns dos meus desenhos. Eu tinha prometido à Sara que eu faria isso e, agora que eu recebera a resposta – há quase uma semana –, eu não tinha coragem de abrir e descobrir se era positiva ou negativa.

Aquela conversa com a Helô me fez refletir sobre os meus atos do último mês, ou a falta deles, e acabou me servindo de incentivo para finalmente abrir aquela carta. Corri os olhos apressadamente por aquele pedaço de papel. A resposta que eu tanto sonhara estava ali. Eles gostaram do meu trabalho, mas ao invés de euforia, eu só sentia apatia.

Desde a morte da Sara eu não conseguia desenhar mais nada e, agora, parando para pensar, aquela resposta não adiantaria de muita coisa. Abri a gaveta, pronto para jogar a carta ali dentro e esquecer dela para sempre, mas um sorriso de dentes separados chamou a minha atenção. Era a ilustração da Sara que eu tinha feito e estava ali dentro.

Peguei aquele desenho e fiquei olhando para ele. Eu pensei que tivesse jogado ele no lixo em um dos meus acessos de raiva, mas cá estava em minhas mãos. Fui tomado por uma inspiração repentina e saí correndo pela pensão atrás de um lápis. Voltei para o quarto e desenhei, desenhei e desenhei. Só quando ouvi a Helô e a Iolanda conversando no corredor e vi que a luz tímida do sol entrava através da minha cortina, percebi que eu tinha virado a noite.

Deixei o meu quarto e desci até a cozinha, peguei um pão e saí pela sala comendo ele.

– Não vai trabalhar? – perguntou-me a Helô.

– Não. Tenho algumas coisas para resolver.

Ela sorriu para mim e saí apressado em direção ao jornal. Ainda era muito cedo e dei de cara com a porta fechada, por isso sentei-me na escadaria e esperei. Quase duas horas depois, alguém apareceu e me atendeu e foi tudo tão fácil, tão simples, que parecia até que não estava acontecendo. Não saí de lá com o emprego, como eu imaginava, mas compraram algumas ilustrações e me pediram que passasse ali todas as semanas com novos desenhos.

Corri direto para o trabalho, já imaginando a bronca que eu levaria por chegar atrasado, mas eu não estava nem aí. Eu estava feliz de verdade, como não me sentia há muito tempo. Eu sabia que as coisas ainda estavam muito longe de tomarem um rumo, mas só de pensar que a Sara sentiria orgulho de mim, já me dava força para seguir em frente. No momento era disso que eu precisava.

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now