Capítulo LXII - TIÃO

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Nada de importante sobre o Tião

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Buscar o jantar era minha tarefa naquele dia. Depois de algum tempo, o Tonho parou com essa paranoia de que só poderíamos buscar comida em duplas. Pelo menos aqueles que se garantiam sozinhos, o que era o meu caso.

Eu voltava para casa cheio de sacolas quando vi um grande anúncio colado em um muro velho e pichado. Não sou dado a prestar muita atenção, mas aquele em especial fez meus olhos brilharem.

A orquestra municipal estava fazendo audição para novos talentos.

Revirei os olhos e segui em frente, pois no fundo eu sabia que aquele tipo de anúncio não era feito para pessoas como eu. Quer dizer, duvido que eles queiram um cara maltrapilho e que aprendeu a tocar em um violão achado no lixo e todo detonado.

Deixei a comida sobre a mesa e peguei um pacote de bolachas. Depois de comer a segunda, notei que eu estava sem fome e a deixei junto com o restante da comida. Droga! Aquela porcaria de anúncio não saía da minha cabeça, por mais que eu tentasse me convencer de que não tinha a menor chance.

Aquele anjinho no meu ombro tentava me colocar para cima, afirmando que eu era talentoso e que essa era a minha chance de ter um futuro decente. Já o diabinho insistia que eu só quebraria a cara criando falsas expectativas sobre isso, já que meu fracasso era certeiro. Qual dos dois eu deveria ouvir?

– Está pensando na morte da bezerra? – perguntou a Sara, aproximando-se.

– Quem dera – respondi, dando de ombros.

– É sério. Que cara é essa?

Suspirei, tentando adiar ao máximo esse momento. A Sara com certeza riria de mim e isso era a última coisa que eu queria nesse momento.

– A orquestra municipal abriu vagas e... – deixei a frase morrer, com vergonha de dizer o que realmente passou pela minha cabeça.

– E você vai fazer?

– Eu? Claro que não! – exclamei na defensiva.

Puxa! Ela me acharia um otário por ter tido uma ideia dessas.

– E por que não? Você é talentoso pra caramba! Duvido que algum daqueles almofadinhas tenha aprendido a tocar sozinho em um violão quebrado.

– Você está brincando, né?

Ela me fitou séria.

– Eu pareço estar brincando?

Ela não parecia na verdade. Mas aquele papo estava estranho para ter saído da boca da Sara. Ela sempre zombou tanto de mim e do grupo, que eu não conseguia acreditar que ela estava me dando forças.

– Se você não for fazer esse teste, eu juro que te dou uns cascudos, entendeu?

Apesar da ameça, sorri de volta. Essa conversa serviu para me fazer tomar uma decisão de uma vez. Eu faria esse teste e pronto. E se eu não passasse, nada mudaria na minha vida, não é mesmo?

– Só não comente sobre isso, por favor – pedi, enquanto sentia minhas orelhas pegando fogo.

– Minha boca é um túmulo – respondeu, dando-me uma piscadinha.

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Beijos e até amanhã

As Últimas Cobaias - Livro 3Where stories live. Discover now