O domingo

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O domingo amanhece um belo dia de sol, com os pássaros cantando pelo jardim daquela casa. Alguns deles pousavam naquele tronco e logo em seguida levantavam voo em direção as árvores que estavam em volta.

Naquela noite Justina não dormiu. Estava concentrada nas ações que faria no dia seguinte, o dia em que a sua vida efetivamente acabaria.

As escravas da cozinha, foram chamadas logo de madrugada para preparar um imenso banquete. Na mente de Scarlett, aquele banquete seria oferecido a todos como o seu grande triunfo pela vitória que demorou anos para ocorrer perante aquela escrava insolente.

Assim que acordou, Albertina foi abraçar a irmã. Aquele provavelmente era o último dia em que as duas se encontrariam ao acordarem. Albertina então diz:

- Irmã, por tudo que é mais sagrado, peça clemência a Scarlett quando chegar na frente de todos. Ela pode ter um pouco de compaixão e te deixar viver.

- Eu vou pensar nisso minha irmã. Eu pensei muito nessa noite. Essa é uma possibilidade. Quem sabe ela não me perdoa não é? Responde Justina tentando tranquilizar um pouco a irmã. Justina tinha um coração tão nobre naquele momento de sua vida, após sofrer tanto, que pensava em todos antes de pensar em si mesma. Tudo que ela queria no dia em que foi castigada severamente, era poupar o filho de sentir ainda mais remorso pela dor que ela estava a sentir, por isso suportou boa parte daqueles golpes calada. Em sua mente, o seu grande erro enquanto tinha algum poder, foi não ter lutado pela liberdade de todos, mas somente dela. Em sua mente, esse era o momento de ela fazer alguma coisa pelos demais. Ela havia mudado muito depois que descobriu um outro lado da vida que ela não conhecia.

Filha de um dos irmãos do pai de Scarlett, aquela escrava junto a Albertina sempre teve regalias enquanto os seus pais eram vivos. Assim que ele morreu elas foram enviadas para a fazenda do pai de Scarlett que também as tratava de forma diferenciada. Tanto Albertina, quanto Justina nunca haviam sido castigadas na vida antes de irem para a fazenda de Scarlett. Albertina experimentou esse sofrimento pouco depois do casamento, quando Scarlett quase a matou algumas vezes para se vingar de sua irmã. Mas, Justina não conhecia esse lado da vida, nunca havia sido punida, talvez por esse motivo, castigou muitos dos seus irmãos de cor enquanto esteve no poder.

Após ser castigada a primeira vez em sua vida naquele tronco, ela sentiu como aquele sofrimento era terrível e se arrependeu no decorrer dos dias seguintes de tudo que havia feito contra os seus irmãos de cor. Ela havia sentido na pele o outro lado da vida em que ela não conhecia. A medida que ela era castigada severamente por Scarlett, ela começou a sentir ainda mais vontade de ter uma liberdade plena, algo que ela nunca havia tido em sua vida. Ela teve uma certa liberdade, enquanto o seu pai era vivo, enquanto morava na fazenda do seu tio, enquanto esteve com Francisco. Mas a liberdade de ir, vir, agir, dizer, poder ir para qualquer lugar que quisesse, ela nunca teve e esse era o grande desejo de sua vida, deixar uma mensagem para que o seu filho e os seus irmãos de cor, de alguma forma, pudessem transformar essa sua ideia em algo possível, pelo menos, em pensamento. Essa era a sua grande missão naquele dia!

Com as horas passando e aquela punição ficando mais próxima, a coragem de Justina fraquejava em alguns momentos. Ela sabia o quanto era ruim e desesperador ser castigada naquele tronco, onde ela já havia sido punida por duas vezes. Sentir que iria morrer nele era ainda mais aterrorizante. Mas, a sua vontade de fazer algo por aqueles que a rodeavam, superava esse medo e ela ia criando coragem após refletir um pouco mais sobre sua vida e suas ideias.

Chega então 11 horas da manhã e Murilo a chama. Era hora de subir para aquilo que seria, provavelmente, os últimos atos de sua vida. Ela então pede a Murilo para despedir dos seus companheiros. Aquele matador de aluguel muito comovido com a sua história e apaixonado por ela, a autoriza, quando ela abraça e se despede de todos.

Miss Scarlett e a escrava brancaWhere stories live. Discover now