Verdadeira face

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Capítulo 5

O ser humano carrega dentro de si várias faces do seu eu.
Basta um gatilho para que esse eu se liberte, e mostre sua verdadeira face.
- Samuel converse comigo, não faça essa maldade, preciso da Ayana ela me faz bem, é minha única companhia.
Nossas meninas não saberão ficar sem ela nessa casa.
Pelo amor de Deus!
- Já tomei minha decisão! Não voltarei atrás, essa negra sairá hoje daqui!
- A deixe, pelo menos, despedir-se do Leôncio, ele é seu marido o único da família que lhe restou...

Samuel bate suas mãos com uma imensa fúria sobre a escrivaninha do quarto, fazendo dona Beatriz dar um pequeno salto de medo.

- Mulher não me faça perder a paciência contigo, aquele negro matou meu filho, não há nada nesse mundo, nem um pedido seu, nem que você implore! Nada me fará ser complacente  com aquele verme.
Você me parece que não amava nosso filho!
- Não e questão de não ama-lo.
Foi um acidente meu marido.
Isso pode acontecer com duas crianças sozinhas em um lago. E...
- Não foi um acidente!
Aquele maldito salvou o filho dele e deixou o meu morrer,
Isso é imperdoável.
- Samuel você matou os três filhos dele, não pode existir vingança maior que essa.
- Cale-se! Já estou deveras perdendo a calma contigo.
Eu farei o que bem me aprouver com a vida desses negros!
Não me amofine, não há argumentos para mim.
Cale-se ou sobrará até para você...
Somente um filho homem! E três meninas foi o que você me gerou, e ainda quer me tirar a razão?!
- Você será pai novamente, ainda poderá ter um filho homem.
- Eu já tinha um filho!
Ele morreu por culpa daquele Negro.
Saia daqui! Mande a negra arrumar os trapos dela, hoje ela vai embora!
E alegre-se por não mata-la.

Dona Beatriz não encontra mais argumentos para convencer seu marido.
Sai do quarto cabisbaixa e vai ter com Ayana, ela está deitada em um quartinho nos fundos da cozinha, seu coração é a face viva do sofrimento.
Ela ouve a chave girar na fechadura e senta-se na cama.
Dona Beatriz entra com os olhos avermelhados e senta-se ao lado dela.

- Ayana, sinto muito, mas Samuel a vendeu e você irá embora hoje.
Não houve como impedi-lo, ele está fora de si e temo por sua vida e a desse bebê que trazes no ventre se continuares aqui.

- Sinhá esse bebê é o único motivo para eu estar respirando, não tenho outro motivo para viver...
Leôncio está bem?
- Ele está preso na senzala, e sendo cuidado por sua gente, imagino que ele esteja bem, na medida do possível.
- Posso lhe dizer adeus?
- Eu pleiteei junto ao meu marido, fiz de tudo, mas ele negou veementemente.
Perdão!
Ayana chora, porém não há o que fazer, sua condição de escrava cativa a torna incapaz de fazer o que lhe aprouver, ela não é dona de nada, nem de seus sentimentos.

A tarde chega e Samuel manda Que os capangas coloquem Leôncio na porta da senzala, onde da para ver a carroça com sua mulher grávida partindo para um local conhecido somente por seu senhor.

Uma trouxa; o coração nas mãos; um abraço na sinhá Beatriz e lágrimas nos olhos.
Somente isso foi o que levou Ayana para aquele lugar desconhecido.

Ao longe Leôncio vê a carroça
partindo com sua mulher.
Não gritou, não chorou, não gemeu.
Em sua garganta estava como se fosse uma faca atravessada...
Ali acabou-se sua linda família, ele se tornou um homem só no mundo, um escravo acorrentado a um senhor vingativo e cruel.

3/10/21

Maria Boaventura

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