A rosa e o espinho

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A rosa e o espinho

Capitulo 29

A rosa é uma flor magnifica, suas variadas cores e seu perfume inebriante, deixa seus admiradores extasiados por sua perfeição.

Porém, algo tão encantador, traz consigo em seu cale perfurantes espinhos...

E a mesma mão que fica impregnada pelo perfume das pétalas sedosas, também sangra pelo toque de seus espinhos pontiagudos...

Assim, ocorreu com a libertação dos escravos...

O que a princípio lhes foi concedido como uma rosa perfumada; foi-lhes arrancado das mãos como um caule de espinhos...

Por cada fazenda que a guarda imperial passa, atos horrendos e desumanos são encontrados.

Raras as vezes, que fazendeiros ou senhores de escravos os tratam com o mínimo de dignidade.

Pelos sertões nordestinos, pelas fazendas do centro-oeste, ou no sul do Brasil, sempre se repetiam as mesmas coisas; o domínio supremo da raça branca sobre a negra. Toda a sua cultura foi-lhe arrancada, seus deuses foram suprimidos, seus corpos, mentes e almas não lhes pertenciam...

E chega-lhes a tão sonhada liberdade...

Não lhes disseram que a tinta no papel, a assinatura da princesa e a guarda para lhes garantirem a saída...

Não é uma borracha que irá apagar o passado, também não é uma tinta que escreverá seu futuro, nem uma pele branca que lhes dará a intangível igualdade racial.

Para o negro afrodescendente, resta lutar pela sobrevivência, como sempre lutou.

Discriminado, marginalizado um ser humano, menos humano.

Sitio...

Passaram-se algumas semanas do ocorrido.

Alguns capitães do mato andaram pelos arredores do sitio procurando o negro Mané, como não o encontram, foram procurar por outros lugares; Senhor Damião e todos do sitio respiraram aliviados.

Dona alma conversa com Ayana sobre o filho dela, ela teme pelo menino e esconde parte da verdade, pois imagina que quanto menos souberem sobre o menino branco, melhor será para o futuro da criança.

- Me diga Ayana, quem é o pai de seu filho?

- Sinhá, eu não gosto de falar muito sobre isso, nós escravas somos forçadas por todo tipo de homens, eles acham que são nossos donos e nunca conseguimos fugir.

- Você está fugindo da minha pergunta!

A negra respira fundo e diz:

- Eu pensava que meu filho era filho do Leôncio meu marido, na fazenda Esmeralda não havia muitos homens que forçavam as mulheres negras, mas chegou lá um capanga e me pegou sozinha no pomar...

- Porque você não contou para seu marido?

- Tive medo, ele ameaçou matar meus filhos.

- Sinto muito, Ayana.

Eu vi que os homens, independente de cor, são uns monstros! Já não sei o que faço para Catarina conseguir superar pelo que ela passou.

- Sinhá, ele vai superar, mas nunca vai esquecer!

- Pobre de minha filha, seu futuro será de tristeza.

Catarina vive triste pelos cantos, já faz uma semana que todas as manhãs ela sente muitas náuseas e está se sentindo tonta e febril.

A escrava vem notando os sintomas e já imagina o diagnóstico,  sabe que a vida da menina será imensamente pior de agora em diante.

Quando ela entra em seu quartinho e vai amamentar seu filho, vem a lembrança do que ocorreu de verdade...

Senhor Samuel olhava para ela com um olhar de desejo. Ela sempre foi uma negra bela...

Deveria ser filha de algum branco, pois sua cor de canela a deixa mais bela ainda, apesar de a chamarem de negra, sua cor e beleza a diferenciam e a sobrepõe sobre as outras negras.
Isso faz dela uma mulher muito desejável; ser mãe por várias vezes, não lhe tirou a beleza do corpo...

Dona beatriz já havia percebido os olhares maliciosos que Samuel depositava sobre a negra, porém ela estava passando por um momento difícil, tinha sofrido dois abortos e se sentia diminuída e feia, gostava de Ayana e fez vista grossa quando Samuel aproveitou que a negra arrumava o quarto; a possuiu em sua cama por várias vezes; ninguém soube, a não ser, dona Beatriz.

- Eu não queria, não quero! O que posso fazer, sinhá?

- Ele vai enjoar e parar...
tenhas paciência.

Não estou magoada contigo, estou agradecida.

Ele fica mais calmo quando te possui...

Ayana chora e se cala, depois de algum tempo a barriga dela começa a crescer e ele não a toca mais...

Capital...

O consultório sempre está super lotado, negros e pobres se amontoam na porta esperando para serem atendidos...

- Aurélia, estou exausta! Preciso descansar.

- Confesso que também não estou suportando tantas horas de trabalho.

Preciso parar por uns dias, ver mamãe e papai, estou com vontade andar a cavalo, nadar no rio.

Vamos para Ouro Negro?

- Agora?!

- Agora, não! Temos que arrumar alguém que fique aqui em nosso lugar.

- Quem?!

- Eis a questão. Depois da libertação nossos atendimentos aumentaram deveras, estamos sem medicamentos, as doações diminuíram...

Estamos mesmo em maus lençóis.

- Pior que tudo, é não recebermos nada pelas consultas, vejo a hora de ter que pedirmos esmolas!

- Vamos ter que mudar de tática.

Acho que irei pedir uma audiência com a Princesa Isabel, talvez ela me receba e nos de uma ajuda para que possamos manter o consultório.

Me recuso a pedir mais ajuda para o papai!

- Eu também não irei mais pedir nada para o papai.

Temos que andar com nossas próprias pernas!

- Está decidido, Leticia.

Vou conseguir uma audiência com a princesa!

- Aurélia, minha prima.

Espero que você consiga, eu já estou sem ideias para que prossigamos até o mês que vem.

Fazenda Esmeralda...

Samuel ouve os gritos das suas filhas e volta a razão.

Vai até à cozinha e vê a monstruosidade que cometeu com dona Beatriz...

a pega no colo e a leva para a cama; recorda-se de seu pai com as mãos no pescoço de sua mãe... um garotinho vendo a loucura de seu pai... ...sua mãe morta ao chão...

ele olha para todo os lados, grita por alguém!

Lembra-se que não há ninguém...

Castilho que está selando seu cavalo, ouve e vem à casa grande.

- Castilho, pelo amor de Deus! Vá à vila e chame o doutor, por favor!

- Irei senhor Samuel.

E parte à galope, pois viu o estado de dona Beatriz, ela sangra copiosamente.

Maria Boaventura

Espinhos da LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora