Unidos

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Capitulo 30

As incertezas sobre o futuro irão ser a companhia de praticamente todos os negros libertos. No meio de um grupo sempre tem alguém que se destaca em astucia e inteligência.

Manuela; a negrinha Manu, como era conhecida por todos...

Antes de existir um apetrecho para que pudessem fazer o fogo, uma criança negra era incumbida de mantê-lo sempre aceso, se por acaso deixasse-o apagar, sofreria vários castigos, tendo que buscar fogo onde ele estivesse.

Agora no ano de 1888, as coisas são mais modernas. Usa-se pederneiras para que o fogo seja aceso.

Após um tempo de descanso, Miro e Leôncio senta-se próximos, os irmãos já lavaram seus ferimentos e a liberdade começa a cair-lhes sobre os ombros.

- O que faremos Leôncio? O que faremos com essa tal liberdade?

- O mesmo que faríamos se houvesse fuga.

Vamos procurar um quilombo, um lugar para trabalhamos assalariados, algo para sobrevivermos.

- E o que comeremos nesse intervalo?

-O que Deus nos der para comermos.

- O que Deus nos der? Ora, isso é brincadeira sua.

- Estou falando sério, olhe esse rio...

Deve estar cheio de peixes!

- Deve estar, mas como vamos pescar, com as mãos?

- Miro meu irmão, você está vendo dificuldades, eu possibilidades!

Mesmo estando feridos, os dois negros tem em si um dom natural para serem lideres de seu povo, duas visões diferentes, porém, que se completam.

- Jaime, vem aqui. Pergunta por aí se alguém trouxe uma faca, ou algo cortante.

- Não precisa, Leôncio: Disse a negrinha Manu.

Ela desenrolou seu vestido velho e encardido e ali está; três facas duas colheres e uma pederneira para ascender o fogo.

- Veja Miro, isso é Deus!

Andando bem lentamente vem a nhá Jacinta.

Uma negra de seus cinquenta e muitos anos, ela cuidava da cozinha e trouxe uma panela de ferro, alguns pratos de esmalte, um candeeiro e meio quilo de sal...

Os tais utensílios eram carregados pelo doidinho, ele não largava a nhá Jacinta, pois ela é quem lhe dava comida todos os dias.

O negro Leôncio sorri...

- Vamos pescar e comer peixes!

Os negros mais jovens pegam as facas e se embrenham pela mata a dentro, trazem varias varas de madeira apontadas e começam a fachear peixes no fundo do rio...

Mais dois homens saem da mata com três cabeças de palmito:  _O palmito é um legume extraído do caule de varia espécies de palmeiras, rico em fibras e possuidor de vários tipos de vitaminas, pode ser consumido cru, seu sabor é agradabilíssimo.

Caçar é uma herança de seus ancestrais, os negros têm o dom de sobreviverem em locais inóspitos, são como a fênix; se levantam a cada vez que sua vida se torna em cinzas...

A luta será deveras difícil, porém,  eles se adaptam ao momento vivido... Comer e sobreviver é o leão a ser derrotado, dessa vez.

Quando Leôncio e Miro veem todos trabalhando para o bem comum do grupo, seus corações se enchem de alegria, pois estão trabalhando para eles mesmos, são livres, que custe caro! O importante no momento, é que apesar dos espinhos que vêm pela frente; são livres, livres...

A noite se aproxima...

Todos já estão comendo algo.
Em  uma fogueira cercada por pedras, espetos com peixes estão assando, a panela de ferro ferve com alguns peixes de couro.

As crianças brincam, os homens e mulheres sorriem...

Deus guarda seu povo.

Às estradas que levam à capital, estão abarrotadas de negros, uma família com três crianças está sentada a beira da estrada, o pai está com o menor nos braços, a mãe para um cavaleiro que segue rumo à cidade.

- Senhor, por favor. Tens algo para dar para meus filhos comerem? Por favor, eles estão morrendo de fome.

- Ora, não queriam ser livres, agora comam a liberdade! Ela tem um ótimo sabor, não é mesmo?!

- Pelo amor de Deus! Só para as crianças!

- Você é até bonitinha...

Vamos fazer assim, tenho meio quilo de carne seca e um pedaço de pão. Se você for boazinha comigo, dou para seus filhos.

Ela olha para seu marido, ele abaixa a cabeça...

- Dê a comida que farei o que você quiser.

O cavaleiro desmonta e tira a carne e o pão do alforje, olha para o negro, pois ficou com medo de ser assaltado.

Mostra a arma que traz no coldre, entra na mata com a negra e depois de meia hora sai abotoando a calça.

A negra chora, porem seus filhos comem; dessa vez.

Na Capital...

- Preciso me encontrar com a princesa, como posso fazer para que ela me receba?

- Minha amada quer uma audiência com ninguém menos, que a princesa Isabel?

Ora, isso é extremamente fácil!

-Verdade?

- Estou a brincar com você, minha querida Aurélia. É praticamente impossível conseguir essa proeza, a princesa não recebe plebeus em seu palácio. Mas se a senhorita deixar seus pacientes um pouco, sair para jantar comigo, apresentarei uma pessoa que talvez, talvez...

Consiga essa audiência.

- Se conseguires alguém que possa me ajudar, jantarei com você meu amado Rodolfo, por uma semana toda!

- Não me prometas o que não podes cumprir, pois cobrarei, e com juros!

- Jantarei duas vezes por semana durante um mês todo...

- Isso acho que você cumprirá!

Está bem, vou conversar com um amigo meu que trabalha com a baronesa de Vertilhos, ela é amiga da princesa, talvez queira te ajudar.

- Fico agradecida a você, ela é uma pessoa amável? Tenho que me preparar para falar com a realeza.

- Não precisa, ela é uma pessoa simples.

Você irá se surpreender.

- Combinado.

Fazenda Esmeralda...

Quase a noitinha e o médico chega.

Dona Beatriz sangra muito, o médico confirma o aborto.

Ela olha para Samuel com um olhar vazio... seu coração está amedrontado ela vê naquele homem a loucura que havia em seu sogro, a loucura que se mostra bem mais acentuada, pois Samuel já matou três crianças a sangue frio e agora assassinou seu próprio filho.
Castilho fica na fazenda com mais um ajudante, depois que seu patrão pede desculpas, dizendo que estava fora de controle.

O feitor traz da cidade uma negra para cozinhar para dona Beatriz, ela é liberta faz anos e trabalha assalariada nas cozinhas de pessoas da cidade, foi cedida pelo medico que ficou com pena da senhora, por ter perdido o filho e não ter ninguém para ajudá-la.

- Castilho, dê o endereço do sitio do senhor Damião para o rapaz que ficou, peça para ele perguntar se o filho da negra Ayana já nasceu?

E é para trazer a noticia o mais rápido possível.

- Sim, senhor!

Amanhã bem cedo ele irá.

Maria Boaventura

Espinhos da LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora